Na Ilha de Nantes, no meio do rio Loire, um passeio de uma tarde revela como se recupera uma zona onde os estaleiros navais foram desmantelados. “As máquinas da Ilha” foi o mote para a instalação ainda em curso de grandes estruturas de lazer à volta de máquinas gigantes: um elefante de 12 metros de altura e 21 de comprimento concebido para passeios dos turistas, um carrossel de 3 andares centrado nos mundos marinhos e uma árvore gigante que só abrirá em 2021. Esta árvore existe para já apenas em esquisso mas já é possível ver nas oficinas as manobras e demonstrações dos animais (garças, aranhas, formigas e outra bicharada em tamanho gigante) que nos levarão ao cimo de uma árvore de 40 metros de altura e 50 de diâmetro a instalar na margem do rio. No resto da ilha a opção foi privilegiar a arquitetura arrojada de prédios e instalações de rua, o que torna a ilha uma espécie de obra de arte assinada. Conclusão: uma ideia bem pensada e bem trabalhada leva ao êxito. O que serve também para a nossa pequena cidade.
No estrangeiro são as refeições que mais aborrecem os viajantes. Se elas já estão previstas no contrato, ou é comida “universal”, sem gosto, ou são as receitas locais que integram um excesso que inquieta ou aborrece. Quando há liberdade de escolher os restaurantes, o leque vai dos Mac ou quejandos até às pizzarias, passando pelos indianos, chineses ou vietnamitas. Pelo meio, ainda e em profusão, os estabelecimentos dos árabes, com muito kebab e pouco álcool. E de repente diante dos nossos olhos um restaurante com o nome “Aux deux morues” (Restaurante dos dois bacalhaus) e por baixo a explicação entre parênteses: especialidades portuguesas. Nesse dia havia, entre outros petiscos, como entradas pastéis de bacalhau e, no prato principal, bacalhau à Brás e carne de porco à alentejana. Na sobremesa arroz doce, leite creme e mousse de chocolate, sendo as bebidas de marca portuguesa. Caramba, parecia que estávamos em Portugal. E qual é o português que é capaz de dizer não a um dever de patriota? Os donos são ele português, ela francesa, uma filha a servir à mesa. E muito estrangeiro a gostar. Pois não!…
O castelo dos duques da Bretanha (principal monumento de Nantes) e o Castelo de Angers, a cerca de 50 quilómetros, na sua grandiosidade, mostram a realidade do nacionalismo tal como cresceu e morreu nas regiões da Bretanha e de Anjou, numa altura em que a ligação a França através da relação de ducado/ principado estabelecia deveres de proteção mas também obrigações de fidelidade. O Estado francês nos séculos XIV-XV não tinha ainda a centralização que depois veio a ter e muitas vezes os casamentos fortaleciam alianças e reforçavam os laços que prendiam ao reino de França; outras vezes um gesto demasiado “autónomo” obrigava o rei de França a dizer “Não” e tudo se acalmava. O que teriam ganhado os ducados de Anjou e da Bretanha se se tivessem tornado independentes? A Bretanha tinha mais argumentos por via da língua céltica mas isso não foi determinante. Foi determinante o casamento de Ana da Bretanha com o rei de França e, depois de viúva, com o rei sucessor, irmão do falecido. Em Angers é todo um programa de visita observar no castelo a Tapeçaria do Apocalipse, cerca de 100 metros de comprimento por 4,5 de altura, obra do século XIV, organizada em 6 conjuntos. E a respetiva explicação.
Cem tendas com 200-300 migrantes no Jardim José de Lemos: imaginam? Não, não é na Guarda, mas é num lugar idêntico em pleno centro de Nantes (França). Já saíram de lá, voltaram poucas semanas depois, são sobretudo sudaneses e eritreus, todos jovens entre 18 e 30 anos, gerações inteiras a esvaziar os seus países governados pelas tribos guerreiras. Razão: para além da fome e da guerra, a atração pela Europa, que veem pela Net ou da qual recebem convites de partida pelos compatriotas que já conquistaram um lugar no Eldorado. Sem condições higiénicas, mais dia menos dia voltam a sair, sem haver possibilidade de regularização para todos. A poucos passos dali o Memorial da Abolição da Escravatura, um monumento feito para recordar com repulsa as cerca de 1.800 expedições negreiras que a partir do porto de Nantes fizeram negócio com o comércio de escravos de África para a América. A banda sonora ajuda a concentrar, as dezenas de placas coladas ao chão recordam os nomes dos navios que partiram daqui. Mas em Liverpool no séc. XVIII-XIX foram cerca de 5.000 expedições, com milhões de africanos a serem violentados. Ao olhar o acampamento quase pensamos que estamos agora a pagar os crimes de há séculos. Nas ruas de Nantes as reações à presença crescente dos africanos repartem-se entre o apoio solidário aos migrantes desgraçados e a sensação de que “isto já é demais” e a “identidade” dos povos europeus se está a perder. Muitos têm mesmo a convicção de que o pior ainda está para vir.
Por: Joaquim Igreja