Sob um sol abrasador, a praça de touros do Soito (Sabugal) voltou a ser pequena para receber os cerca de 3.500 aficionados da capeia arraiana para o XXXIIIº festival “Ó Forcão Rapazes!”, no último sábado. Entre uma ou outra aflição, as nove aldeias participantes confirmaram os galões no autodenominado “Campeonato do Mundo” do forcão.
Coube a Aldeia Velha abrir as hostilidades, que teve que “fazer tempo” na arena – o touro não deu luta – e saiu de cena com uma exibição sem grandes sobressaltos. «Não gostei do touro, deixou muito a desejar», sintetiza o presidente da Junta de Freguesia de Aldeia Velha. «O objetivo é o touro bater e quando não bate ficamos um bocadinho frustrados», lamenta Paulo Ramos, logo interrompido por Nuno Silva, que participa no “Campeonato do Mundo” do forcão desde 2004, para dizer que o que “apimenta” o festival «é o risco, é [o animal] marrar e ir às galhas». «Infelizmente, no nosso caso isso não aconteceu. Ele marrou uma ou duas vezes e desistiu», constatou o pegador, residente em Lisboa, para quem esta data não pode faltar no calendário de férias. «É obrigatório. Estamos todos os anos à espera tanto da capeia da nossa aldeia como do festival», garante Nuno Silva.
O entusiasmo instalou-se com a entrada em cena de Alfaiates, que teve pela frente um bom touro – com 660 quilos – que chegou com tudo à arena, apetrechado de garra e bravura. O animal propiciou fortes investidas ao ponto de partir a galha direita, onde se estreava André Vaz, e assim que voltou a tentar conseguiu entrar no forcão. «Só me tombou a mim. Depois a malta deitou-se em cima do forcão e ele teve que sair», conta o jovem de 24 anos, cujo bichinho da capeia arraiana foi, em parte, transmitido pelo pai. «Vem de família, já a minha mãe é de uma terra de touros. Quando era mais pequeno não gostava muito, mas depois, influenciado por amigos e familiares, comecei a gostar e agora sempre que posso vou a todas», afirma André Vaz, que saiu da arena com alguns arranhões, mas nada de grave. O pai, esse, já é um veterano nestas andanças e é o elemento mais velho da equipa de Alfaiates. «Este evento é o ex-libris da nossa região. É a nossa paixão, nascemos nisto e morremos com isto», considera Francisco Vaz, de 52 anos. Mas esta é uma tradição arriscada. No seu caso, já passou por muitos incidentes, mas houve um que o marcou: «Estava precisamente aqui, de costas para a arena, a falar com uns amigos e o touro saltou a três metros de mim», recorda o pegador, para quem os percalços fazem parte da capeia. «Se não os houver a festa não é bem regada», ironiza.
Depois de uma exibição de deixar a afición com os nervos à flor da pele, a sorte bateu à porta do Soito, que lidou com arte e paciência um “bicho” de 650 quilos. A jogar em casa, estavam reunidas as condições para uma exibição brilhante com direito a ovações por parte do público: «Se o touro mostrar a bravura que o nosso mostrou é tirar o máximo partido disso para mostrar o forcão, as qualidades do animal e as nossas qualidades como pegadores», explica Rui Costa, de 38 anos, que participa no festival há vários anos. «Tivemos cerca de oito a nove minutos a pegar ao forcão. Cada equipa opta pela sua estratégia, a nossa é tirar o máximo partido do touro», sublinha o soitense. Depois do espetáculo da equipa local, nada fazia prever o que vinha a seguir, pois a Aldeia do Bispo calhou um touro cheio de pujança que, ao invés de bater na galha, como seria expectável, saltou para cima do forcão.
«Nunca sabemos o que está por detrás da porta. Éramos capazes de estar um bocadinho afastados da saída do curral, mas correu tudo bem», adianta André Azevedo, de 37 anos. «Felizmente era um animal fabuloso e por não ser maldoso recuou logo e conseguimos colocar-nos em posição», acrescenta o lisboeta de gema, que se apaixonou pelas capeias quando casou em Aldeia do Bispo. Desde então não troca esta tradição por nada. «Sinto que aqui não maltratamos os animais. Não tem nada a ver com a tourada à portuguesa ou à espanhola», considera o participante, afirmando que «é raro ver-se cair uma gota de sangue nas nossas touradas».
Convívio é o ponto alto do festival
Numa coisa todos parecem concordar, não há nada melhor que o convívio e a união entre as aldeias. «O festival é o culminar da união que há. Depois vem o convívio, o pegar melhor ou o pegar pior, mas o que nos identifica é mesmo o forcão», declara David Henriques, que saltou para a arena pela equipa dos Foios. Desde que se conhece como “arraiano” que participa no “Campeonato do Mundo” do forcão e garante que não tem sido difícil cativar os mais novos: «Os jovens da raia, que residem cá, estão emigrados ou em Lisboa, identificam-se com isto», garante o pegador, que, questionado sobre se já viveu algum incidente, respondeu com outra pergunta: «Tem muita bateria?».
Estreou-se nestas lides há três anos e hoje, com 19, Ricardo Carriço destaca a camaradagem, mas não esquece que há sempre uma “pitada” de competição: «É uma forma de unir as aldeias da Raia com esta tradição e depois é uma maneira de, entre nós, ver quem pega melhor. Mas, acima de tudo, é um convívio», admite o pegador da Lageosa. A representar a Aldeia da Ponte, mas a residir em Lisboa, André Leal assume que o dia do festival «é sempre bonito» e que na hora de ajudar não há mãos a medir: «Os incidentes fazem parte. Os touros são grandes, umas vezes saltam, outras passam por baixo, por isso há sempre umas mazelas. Não gostamos que isso aconteça, mas é, como se costuma dizer, “quem anda à chuva molha-se”», brinca.
Já João Nunes, dos Forcalhos, queria que os touros estivessem «um bocadinho melhores», pois deixaram muito a desejar na hora de bater no forcão: «Têm apresentação, mas podiam investir de uma forma mais forte», considera o também presidente da União de Freguesias da Lageosa e Forcalhos. Outro veterano das capeias é João Gonçalves, que já anda nestas lides desde os 16 anos e teme pela continuidade do festival: «Acabar pode não acabar, mas como há muitas aldeias que têm dificuldade em ter pessoas para pegar poderá acontecer», alerta o pegador do Ozendo.
Cerca de 3.500 pessoas nas bancadas
Quem fez questão de marcar presença na bancada da praça do Soito foi o presidente da Câmara do Sabugal: «O concurso está a corresponder plenamente às expectativas, temos uma praça super lotada», constatou António Robalo, adiantando a O INTERIOR que, por questões de segurança, não foram vendidas mais entradas.
«Muito mais gente queria entrar, mas temos cerca de 3.500 pessoas e mais não podemos», justificou o edil sabugalense, segundo o qual os «incidentes controlados» durante a lide apimentam o evento. «Estamos a assistir a um espetáculo com touros bravos, portanto é preciso terem todos muito cuidado. Inclusive o touro», acrescentou o presidente. O concurso nasceu em 1986, mas acabou por transformar-se em festival para evitar controvérsias entre os participantes. «No início serviu para incentivar muito a união, mas passado algum tempo tornou-se demasiado competitivo», recorda Mariana Lourenço, de 19 anos, que costuma assistir todos os anos. Também Manuel Nicolau, natural do Soito, é um aficionado da lide com forcão: «O que me faz vir é ver uma capeia à moda arraiana, com o forcão e a raça dos touros e da juventude que pega», justificou.
Vindo de Braga, quem assistiu pela primeira vez foi Afonso Maior, de 16 anos, que tem família na região: «Estou a gostar. Talvez um dia também possa pegar ao forcão», disse a O INTERIOR entre risos.
Sara Guterres