O Príncipe Valente, uma banda desenhada da minha infância, tinha como protagonista um rapaz loiro, corajoso, impoluto, montado num cavalo branco. Ajudava pobres, órfãs e viúvas e salvava princesas desvalidas das garras dos piores canalhas. Era uma seca. A figura do Príncipe Valente foi depois desconstruída no cinema e na televisão, pelo menos no Schrek e na Guerra dos Tronos. O príncipe loiro não era já impoluto e praticava os piores vícios, da traição ao incesto. Mas tinha muito mais piada. Os romances de cavalaria deixaram de ser lidos, já muito poucos ouviram falar da “Canção de Rolando” e menos ainda leram o livro. Já nem se encontra senão em alfarrabistas.
Depois veio o tempo dos anti-heróis, dos tipos que fumavam, bebiam, se drogavam, tinham problemas com a justiça e com os chefes mas que no final ficavam com a rapariga e com o dinheiro, mesmo que o tivessem roubado. A plateia aprovava e não se preocupava nem um pouco com os princípios éticos que o seu herói, já sem o “anti”, tinha atropelado. Eram também, sabem, os tempos em que era bem ser-se politicamente incorrecto. Ainda aí estamos, já agora, mas agora poucos sabem que o “politicamente incorrecto” é o terreno da xenofobia, do racismo, da desonestidade. É o campo onde morrem a ética e os princípios, mas onde todos os cavalos vão pastar, dos negócios ao futebol e à política.
Não admira por isso que alguns dos melhores papéis do cinema ou da televisão tenham como heróis tipos que deveriam estar na cadeia, mas por quem torcemos por muito bem formados que sejamos: Raymond Reddington (A Lista Negra) é um assassino irresistível, como o é Frank Underwood (House of Cards), e todos os personagens do “franchise” Ocean são vulgares ladrões — mas quem se importa?
Quando já nem a verdade interessa, e quando o importante é ganhar, seja de que maneira for, será de admirar que sejam eleitos tipos como o Putin ou o Trump?
Por: António Ferreira