A Justiça portuguesa não é cega, nunca o foi. Se em tempos não via o que estava à frente dos olhos, hoje já vê. Mas também quer que todos vejam. Julga antes de julgar. Promove sentenças antes de sentenciar. Ainda assim, ao contrário de tempos aparentemente idos, da ditadura à democracia, já não fecha os olhos aos ricos e poderosos. Só que está mais do que visto que os constantes abrir de olhos são tudo menos inocentes.
O voyeurismo do Ministério Público ficou uma vez mais patente na semana passada. E a discussão sobre o papel da comunicação social na divulgação dos vídeos dos interrogatórios da “Operação Marquês” só serve para desviar o olhar para aquilo que, sendo importante discutir, é, para esta análise, acessório. Até porque quem viu, por exemplo, o tratamento dado pela SIC aos interrogatórios cirurgicamente vazados só pode ficar agradecido por ainda haver bom jornalismo, capaz de enquadrar e informar, sem pré-julgar ou indiciar.
Entretanto, o Ministério Público abriu um inquérito destinado a investigar a difusão dos interrogatórios, aludindo à possível existência de um crime de desobediência dado que a divulgação de tais registos «está proibida». Em vez de encontrar e punir o ou os prevaricadores de primeira instância, mata-se (ou tenta calar-se) o mensageiro. Assim se espeta mais um prego no caixão da (escassa) credibilidade da Justiça.
Incorrendo no risco de repetir argumentos milhentas vezes expostos, ao Ministério Público cabe investigar e explicar o como e o porquê de tão sistemática violação dos mais básicos direitos civis. É que está bom de ver que foram novamente as autoridades judiciárias que, com evidente propósito, pingaram munições para atirar contra os já mediaticamente julgados Sócrates, Salgado, Bava ou Granadeiro. Poucos serão aqueles que, com maior ou menor convicção, não formularam já as suas opiniões (e condenações). Ou seja, em termos práticos conclui-se que de nada serviu nova quebra das regras por parte da acusação.
Se o Ministério Público já não tem somente olhos para os fracos e desprotegidos – o que é salutar – não pode também arregalar a vista sempre que há peixe graúdo na vã tentação de se auto credibilizar. O processo de Miguel Macedo foi também disto exemplo. Para se credibilizar não deve recorrer a expedientes nem a entrevistas manhosas para se refeiçoar, mas utilizar a balança da ponderação e a espada da decisão. Deus escreve direito por linhas tortas, à Justiça cabe escrever direito pelo Direito.
Por: David Santiago