Tempos houve em que os carteiros eram uma espécie de confidentes dos destinatários das cartas. Quantos deles não liam a missiva que chegava da França, da Alemanha ou da Suíça, com notícias que demoravam uma eternidade a chegar! Também liam os aerogramas dos soldados das campanhas ultramarinas, e muitos pedidos de casamento e declarações de amor passaram primeiro pelos olhos do carteiro do que pelos ouvidos da noiva. Levavam as novidades aos lugarejos mais distantes e isolados de um país triste e amargurado, num tempo em que não havia televisão ou não se liam jornais. Ou nem sequer se sabia ler…
De bicicleta ou a pé, calcorreavam caminhos e lavravam as almas e os estados de espírito, desempenhando um papel tão importante no equilíbrio social como o do barbeiro, do endireita, do vedor, da parteira ou do padre. Na volta, amanhavam-se à pressa umas letras, poucas, pejadas de saudades, que eram assim devolvidas ao carteiro para serem levadas a quem mais se desejava. Mais tarde, começaram a usar a moto. Era mais cómodo e rápido, mas o carteiro já não chegava a todos os lugarejos. E mais tarde ainda, porque tempo é dinheiro, o contacto com as pessoas começou a perder-se. O correio passou a ser deixado numa das tabernas da aldeia, e quem quisesse ia depois por lá para ver se havia carta. Reduziram-se assim as conversas e partilhas de sentimentos dos que ficaram e dos que traziam as saudades.
Para baralhar tudo, os carteiros começaram a trazer, uma vez por mês, a “cartita”, a tal que carreava o dinheiro da reforma! Já não era só o destinatário a ficar em palpos-de-aranha. Era essa carta que sustentava a mercearia, a farmácia, o talho e outros pequenos comércios aonde tudo se vendia fiado! O carteiro passou a simbolizar a angústia, e se falhasse havia todo um mundo que desabava a direito.
Hoje, tudo mudou. Para começar, mudaram os carteiros. Ou antes, mudam quase todos os meses. No espaço de um ano já conheci uma meia dúzia na minha rua! Com eles, mudou também o local de entrega das cartas. Eu recebo as dos vizinhos na mesma proporção em que eles recebem as minhas. O importante é cada um de nós saber quem é o outro que lhe calha na rifa da troca…
Depois, mudou a própria correspondência. Fiquei a saber que tenho familiares chamados Intermarché, Continente, Lidl, Pão-de Açúcar, etc. Uma infinidade de relações que só serve para me atulhar a caixa do correio e acender a lareira no inverno!
Mais tarde, o carteiro passou a ser eletrónico. Desde as finanças ao meu banco, passando pelo meu patrão, não há gato-pingado que não me entre pela casa adentro enquanto escrevo esta crónica! E pior, sou sistemática e fatalmente atraiçoado por um sinal de que a mensagem foi recebida. Não há convenientes extravios possíveis!
Antigamente, se eu não gostasse do carteiro, soltava-lhe o cão. O cão, agora, parece que somos nós. Ou, melhor dito, com todas estas manias dos tempos modernos, pode dizer-se que nos enfiaram o cão! Aquilo que era um serviço público já mete vendas de livros foleiros, bijutarias pimba e outras inutilidades a granel. Não me admirava nada que um dia destes, os bancos, para se vingarem, também comecem a vender envelopes e cola para selos e a transportar encomendas dos seus clientes.
O carteiro, que antigamente era uma espécie de empregado de todos nós, agora passou a ser subordinado de uns tipos que se chamam acionistas. Se a moda pega, já estou a ver o padre a fazer confissões pela net ou os noivos a casarem sem sequer saírem de casa. E desenganem-se aqueles que se babaram um dia a verem umas cenas daquele filme em que o Jack Nicholson e a Jessica Lange nos mostravam de forma suada como é que se faz. Os carteiros tornaram-se em improváveis personagens cinematográficas, de tão dispensável que é já a sua existência. É caso para se dizer que vale mais um SMS na mão do que dois carteiros na minha rua. Ou três…
Por: Jorge Noutel