1. Recebidos cerca de 300 votos (quase todos sinceros) de Feliz Ano Novo, para além dos que ouvimos ou vamos ouvir ainda nos próximos dias no local de trabalho, pelo menos até meados do mês, cá vou eu para um ano que, pelos votos, não pode ser de menos de esplendor. No Facebook dá-se uma espécie de campeonato de quem arranja a melhor imagem, se possível com movimento e animação. E acabamos, por falta de tempo, por não ver centenas das imagens ou vídeos colocados pelos nossos amigos para esse efeito. A rede tornou-se assim uma selva onde já é difícil em certas alturas comunicar porque a nossa vasta família de amigos nos submerge com recados e mensagens. Os pequenos símbolos, emojis e outros, vêm ainda complicar mais, deixando-nos às vezes atarantados diante das carantonhas a rir (a gozar?), a chorar (será caso para tanto?) ou a exprimir sei lá o quê. Outra coisa é o conteúdo dos votos nas frases bonitas mas pouco originais de augúrios: porque é que somos tão sádicos a desejar prosperidade, saúde e felicidade, quando terá de ser cada um a construí-las?
2. Vinte pessoas na sala de espera da estação da CP, dezoito delas a utilizar o telemóvel (sim, contei). Não é que não comuniquem, como alguns dizem: de vez em quando lá saem larachas e comentários, a ligação com familiares ou companheiros de viagem existe apesar de tudo. Mas, nesta cena estranha ou surrealista em que ninguém se olha, parecem todos estar atados com fios ou a uma distância de quilómetros. Manejar um smartphone é uma sensação de isolamento e poder incrível, estar perto de quem queremos, fotografar sem ter um objetivo, fazer o que se quer, captar as palavras e os gestos dos outros, desperdiçar sem custo, ousar ser “artista”, fazer centenas de fotos sem “ver” as coisas que fotografamos ou gravar um vídeo que publicamos mas nunca mais vamos ver. Creio que é um pouco a sensação que a minha geração (já na idade adulta) teve ao poder conduzir, ao ter um carro que as nossas mãos podiam levar para onde queriam. Mas o carro manejava-se duas horas por dia.
3. Os velhos também estão sempre na mira dos que compõem as fotografias desta quadra. A família inclui os pequenos a mexer em teclas, os pais a fazer as compras e a encher a mesa e a árvore e os velhos sentados à mesa feitos patriarcas ou matriarcas imóveis, aguardando apenas. A publicidade da TV mostra-nos uns idosos em geral bem apresentados, sem sinais de demência nem de maus tratos ou abandono. Para os que estão longe é altura de os vir buscar aos lares, de passar com eles 24 horas sofridas ou pouco mais, de os largar depois sem os levar aos sítios deles, com os netos quase alheios a estas personagens de há séculos atrás, diriam eles. Uma crónica de Carlos Barroco Esperança na magnífica coletânea “Ponte Europa” ajuda-me a exprimir ainda melhor o momento da saída: «Ó mãe, já não passamos lá por casa, vamos deixá-la no lar, eu sei que queria ver as suas coisas, ainda queremos chegar de dia, já nos vimos, sabe como é, cada um gosta de estar na sua casa, ó menina traga-me a conta, da próxima vez vimos de véspera, estamos mais tempo, nem penses, bem sabes que não durmo na casa da tua mãe, o esquentador não funciona, a água sai suja, as camas necessitam de ser mudadas, é boa vontade fazermos oitocentos quilómetros num só dia». No lar «nenhum indagou como fora o dia, os velhos adivinham os dramas, conhecem as mágoas das visitas, sabem o estorvo que são e contam as horas, cada vez menos felizes, sempre mais pesadas».
4.Victor Moura Pinto (VMF) faz reportagens humorísticas na TVI para aquele período do telejornal em que já ninguém está a ouvir nada com atenção e só as escandaleiras ou as macacadas funcionam. Sobre as cenas dos políticos o homem vai sobrepondo músicas pimba ou bonecada e repete os movimentos das personagens, sempre num registo de ridicularização ou de avacalhamento total. Ultimamente tem-lhe dado para gravar as conversas privadas nos lugares onde estão políticos para depois as ridicularizar (por exemplo, à mesa). Supondo que não está autorizado a fazê-lo, deve fazer de conta que passa ali por acaso ou mete um gravador no bolso de alguém da mesa ou simplesmente coloca-o num sítio estratégico. Às vezes as reportagens chegam a ser engraçadas mas partem de um princípio que um tema tratado por um político tem tanto valor na formalidade de um discurso, entre duas garfadas de lombo de porco, na sua discussão em privado ou num chiste em que o tema se transforme. Isto é, vale tudo para dizermos mal de um político ou o enxovalharmos. VMP, há limites para a decência. Pimbalhadas, sim, mas sem andar a gravar as conversas privadas às escondidas e a (des)contar depois o que gravou.
Feliz Ano de 2018!
(Carlos Barroco Esperança, “Ponte Europa”, Âncora Editora, Lisboa, 2016)
Por: Joaquim Igreja