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“Aqua fugit”

Há sempre gente disposta a ignorar vozes discordantes e a ir de passo em passo até ao abismo final.

Exemplo disso é a trajetória que este executivo camarário insiste em fazer no que diz respeito à falta de respeito pelo parque arbóreo da cidade. Confesso que não gosto da intervenção feita no Parque Municipal. Parece assética e pouco natural e vai agravar decerto os problemas que muitas das árvores já apresentavam.

A pavimentação efetuada à volta do lago sob as árvores, não as privando totalmente de água, vai impedi-las de certeza de terem acesso aos nutrientes que advêm dos processos de decomposição que ocorrem sobre a manta morta que elas próprias originam, ou seja, das folhas que no outono se reúnem sob as suas copas. Mas, como estamos num parque assético, essa importante fonte de nutrientes é metodicamente removida pelos funcionários, como o tem sido há décadas, e vai continuar a enfraquecer as já fracas árvores, as quais, para além de um importante valor sentimental, ecológico e protetor, têm também valor económico. É condená-las assim, a uma morte lenta. Quanto custa uma árvore com 50 anos? Decerto muitíssimo mais do que 100 árvores plantadas à pressa à beira da VICEG. Quanto dióxido de carbono remove da atmosfera uma árvore com 50 anos? E quanto oxigénio devolve? Decerto muitíssimo mais do que 100 árvores plantadas à pressa na avenida cidade de Salamanca. É isto que teimosamente este executivo não entende. Já agora: que parque da cidade é que queremos? Que frequentadores pretendemos para ele? Quanto custa a vigilância 24h do mesmo? Onde estão os fundamentais baloiços e escorregas para os nossos filhos? Quem é que o executivo acha que puxa os adultos para os parques? Acharão que este parque assim renovado é páreo para o parque Polis? Estão ou não previstas zonas de diversão para as crianças? O que pensam fazer para tratar as árvores doentes? Ou será vossa intenção deixá-las morrer para depois terem uma desculpa (como se precisassem) para as botar abaixo? O que pensa este executivo fazer em relação às obscenas e chocantes podas radicais sobre todo o parque arbóreo? Acabamos de vez com estes crimes ou não? E quanto aos omnipresentes tapetes de relva? Acharão que num período de forte aquecimento global, quando se prevê um clima para a Guarda semelhante ao de Marrocos nos próximos anos, terá sido inteligente forrar a cidade com a menos eficiente cobertura fotossintética conhecida? Será sustentável fazer jorrar sobre toda esta relva milhares de metros cúbicos de água ao longo do ano, quando, ainda por cima, muitos acabam no pavimento? Parece-me que, para além de muito teimoso, quem comanda os destinos da cidade anda muito mal informado. Ou então é simplesmente imune a uma consciência ecológica crescente na sociedade, estando-se simplesmente a borrifar para as evidências. Parece-me que é mais isso. Ponha, o executivo, os olhos em cidades que já estão a inverter a tendência e a precaver-se para o que aí vem, como é o caso de Lisboa. Mas entendo que, realmente, quem gasta água não tendo, alegadamente, qualquer intenção de a pagar num futuro próximo ao fornecedor e não se assustando com a dívida crescente, não veja grande necessidade de a poupar. Mas, pelo menos, deveria poupá-la para os munícipes, evitando gastos desnecessários que poderão ser seguidos de medidas draconianas sobre todos eles em caso de agravamento da escassez. É realmente uma atitude muito estúpida e chocante. Existe uma miríade de plantas rasteiras, de um verde permanente que fazem belas coberturas e que gastam infinitamente menos água por estarem adaptadas geneticamente a climas mais secos. É nisso que tem que se apostar. É urgente uma mudança de mentalidade. Mas com a escolha clara feita pelo povo, que reconduziu este executivo, estarei eu a pregar figurativamente e qualquer dia literalmente no deserto?

Por: José Carlos Lopes

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