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Em nome da coesão

Editorial

«As crises são muitas vezes uma oportunidade. E é essa metamorfose que terá de acontecer: sobre as cinzas de milhares de hectares ardidos, sobre o cheiro a casas queimadas, sobre a amargura de vidas destruídas e sobre tantas mortes lamentadas, terá de nascer uma nova realidade, uma nova política de gestão do território, terá de haver medidas muito mais assertivas e terá de haver opções muito claras na coesão e desenvolvimento regional. Já aqui defendi, em mais de uma ocasião, que devemos exigir um “Plano Marshall” para acabar com a pobreza, atraso e despovoamento do interior, agora, por maioria de razão, e porque o fogo evidenciou não apenas a pobreza do “Portugal profundo” mas essencialmente o quanto as políticas centralizadoras de dezenas de anos fragilizaram o mundo rural, as regiões mais fustigadas merecem um olhar solidário, mas muito mais do que isso, precisam de investimento público e de uma grande energia para se reerguer». Cito o que aqui escrevi há duas semanas, com o título “Renascer das cinzas”, para recordar que, depois da tragédia, temos de exigir um plano de intervenção rápido e eficaz. Nesse Editorial defendi a oportunidade do Estado para mudar o paradigma do interior; e que depois de dezenas de anos de abandono, os territórios da “província”, longe de Lisboa e dos corredores do poder, ostracizados e esquecidos, despovoados e atrasados, não podem continuar a sofrer tantas assimetrias. Depois dos fogos de 15 de outubro, “nunca mais” não podem ser palavras vãs, as lágrimas não podem ser apenas o espelho dos afetos do Presidente da República e os rostos de desalento não podem ser apenas retratos de jornal. A dor, sentida, tem de ter significado.

«A violência e a devastação humana dos incêndios deste verão têm que nos interpelar fundo e para além de um inexorável destino. Temos que ser capazes de promover uma mudança efetiva e assumir um compromisso sólido pelo ordenamento e pela conversão progressiva de um território consumido por décadas de abandono e desordenamento. O momento impõe uma atuação decisiva sobre a fragilidade económica e social dos territórios…», escreveu Helena Freitas, segunda-feira no “Público”. A ex-coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior sabe o quão frustrante foi procurar inverter a tendência ancestral de abandono a que o “campo” foi votado e sabe que, muito para além de todos os diagnósticos e medidas defendidas, a interioridade precisa de uma reforma profunda, muito para além do pacote de iniciativas que o governo anunciou. E não basta avançar com um plano de reforma florestal ou definir medidas mais ambiciosas e efetivas de defesa da Natureza e de combate aos fogos, é mesmo necessário um “Plano Marshall” que permita a valorização dos territórios, que combata a pobreza e o abandono do mundo rural. Sem apoio à economia, sem emprego nos territórios de baixa densidade, o êxodo rural será ainda mais severo agora que a floresta, o campo e as casas arderam.

O inferno que se viveu no centro de Portugal no dia 15 tem de ter consequências. Não podemos esquecer… E não podemos deixar que esqueçam! É por isso com satisfação que recebemos o “Movimento pelo Interior”. Enquanto a maioria (os milhares que “choram” no Facebook e clamam por medidas à mesa do café) lamentam, mas calam, e esperam que “os outros” façam alguma coisa (na mobilização contra os incêndios, por um futuro sustentável, tivemos umas 300 pessoas na Guarda, umas dezenas na Covilhã e menos de mil em Viseu). Estranhamente, e quando devia ser a sociedade a mobilizar-se, quendo deviam ser os movimentos cívicos a sair à rua e a reclamar medidas são os políticos a liderar o processo de defesa do interior. Pois, se mais ninguém o faz… sejam bem-vindos os que, mesmo que tendo responsabilidades pelo estado a que chegámos, agora assumem a responsabilidade de levantar a voz e clamar por um programa urgente de “salvação” dos territórios de baixa densidade. Com a habilidade, sensibilidade política e capacidade de antecipação que o caracterizam, Álvaro Amaro soube escolher o momento e os “companheiros” (e «solicitar» o alto patrocínio do Presidente da República) para promover um movimento pela coesão do país mais desigual da Europa. E, como me confidenciou o presidente da Câmara da Guarda, defendendo poucas medidas (meia-dúzia) mas ambiciosas, exequíveis, pragmáticas e assertivas (ao contrário do que sucedeu com a Unidade de Missão que defendia 164 medidas cuja implementação de tão diversa e difusa vai dar em nada…), para afirmar uma «atitude firme contra a decadência absoluta das políticas públicas em vigor». Porque «lutar pelo Interior é uma causa nacional!», juntos, todos, qual Fenix, temos de «dar vida ao Interior» (uma “velha” máxima deste jornal), temos de «renascer das cinzas».

Luis Baptista-Martins

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