Arquivo

Abandonados pela CP e ANPC

Testemunho

Venho, por este meio, relatar na primeira pessoa os inacreditáveis acontecimentos ocorridos no infame dia 15 de outubro do presente ano na estação de caminho de ferro de Santa Comba Dão.

A minha filha Mariana Lopes apanhou o comboio Intercidades 518 com partida da Guarda às 18h09 e chegada a Lisboa prevista às 22h22. Saliento que a ANPC e a CP já sabiam à partida que a zona de Penacova-Mortágua se encontrava a arder. Mas mesmo assim deixaram o comboio dirigir-se para o inferno à boa maneira laxista portuguesa.

Por volta das 20h45 a minha filha informa a mãe que estão imobilizados há mais de uma hora por causa dos fogos na estação supracitada. Às 22 horas volta a informar que ainda estão parados e que começa a cheirar a fumo. Nós dissemos-lhe para ter calma, que estava em segurança e que teria que aguardar. A minha mulher começou a ficar inquieta e a inquietar-me, bem como os pais de outros estudantes que começavam a trocar mensagens connosco. Mas há algo no instinto materno que é inexplicável, um sexto sentido que lhe dizia que a Mariana não estava em segurança e que tínhamos que fazer algo.

A situação foi ficando cada vez mais indefinida e eis que às 0h30 recebemos uma mensagem que foi o despoletar de tudo: «Mãe, nunca te esqueças que te amo muito». Mas se a minha filha dizia que estava tudo controlado, apesar de haver muito fumo à volta, porquê aquela mensagem? Foi a gota de água. Saí disparado pela A25 mas fui barrado no IP3 a 30 quilómetros de Santa Comba. Estava tudo cortado. Senti-me impotente. Aguardámos impacientemente por notícias dela quando as telecomunicações começavam já a falhar. Até que me comunicam que a CP, finalmente, tinha mandado evacuar o comboio. Soubemos mais tarde por ela que isso aconteceu já quando as últimas carruagens estavam a ser lambidas pelas chamas, os passageiros se encontravam no edifício da estação deitados no chão, com panos húmidos sobre a boca, em pânico para obterem algum oxigénio, com os edifícios contíguos à estação em chamas, em total abandono por parte da CP.

E para fazer esta evacuação vital? Mandaram um autocarro de 52 lugares (!!!), sem uma força da autoridade, sem um único bombeiro, tendo a responsabilidade do resgate ficado sobre o condutor do autocarro que foi visto a benzer-se enquanto tentava chegar ao IP3 passando por um mar de chamas e fumo. Não tivesse sido o seu sangue frio e poderíamos estar a falar de mais uma tragédia dentro de outra.

Quero aqui dizer peremptoriamente que a CP e a ANCP atuaram de forma completamente irresponsável e altamente negligente e que não foi por falta de alertas. Foram feitas dezenas de chamadas para números de emergência alertando para o perigo iminente em que aqueles passageiros se encontravam. Nada foi feito até ser quase tarde demais. Centenas de pessoas ficaram ao dispor de um mar de chamas e nas mãos de um herói. E quem vai ser responsabilizado? Ninguém, claro! Parece-me mais que há por aí alguns energúmenos, principescamente pagos, a limpar lágrimas de crocodilo frente às câmaras, prometendo um “nunca mais”, mas que na realidade se estão a borrifar para o que de mais precioso um país pode produzir: Os seus cidadãos.

José Carlos Lopes (Guarda)

Comentários dos nossos leitores
Artur Scpinto1067@aeiuo.pt
Comentário:
Se por antecipação sabia o que ia acontecer! Também se podia ter prevenido, simplesmente não deixava ir! À boa maneira portuguesa. Sol na eira e chuva no nabal.
 

Sobre o autor

Leave a Reply