As eleições de 2017 na Guarda vieram confirmar vários fenómenos. Em primeiro lugar, as maiorias autárquicas só se perdem pela fraqueza de dentro. Bem gerida a comunicação, bem convertida em propaganda, as maiorias mantêm-se, salvo se algum fenómeno extraordinário ocorrer (como há quatro anos com a cisão no PS) ou se se fizerem mesmo muitas asneiras. Um mandato que foi de muitas pequenas coisas viu-se mesmo assim transformado num enorme sucesso. Em seguida a forte máquina política do presente executivo da autarquia conseguiu aliciar com eficácia para as suas listas eleitos de outros partidos ou “independentes”, assegurando muitas migrações. Acresce que um mandato de 4 anos é pouco para se mostrar o que se vale e portanto ainda não era altura de o fruto cair.
A robustez da vitória, que era previsível, baseou-se numa governação “popular”, de satisfação de pequenas e reais necessidades e de espavento e cultura acessível e gratuita, sem desafios. Os eventos como feiras e festas populares contentam o eleitorado mas têm ainda de demonstrar que não esgotam o seu efeito no final. A generosidade na oferta de recursos a agremiações e juntas por projetos apresentados à Câmara, com cerimonial e beija-mão na entrega dos cheques, ajudou também à votação. Que tal um acordo de regime para acabar com estas cerimónias que já vêm de anteriores mandatos?
A governação popular tem, no entanto, o seu reverso. Governa-se para o imediato, calculam-se proveitos imaginários e o que é estruturante não se constrói. Todas as listas que concorreram frisaram sobretudo como prioridades a criação de emprego e o turismo, em que a Guarda continua fraquíssima e quase sem ideias. Volta sempre a estafada ideia do centro histórico da Guarda. Mas se, depois de décadas de discussão, não se conseguiu vislumbrar um caminho, não seria altura de deixar de encontrar desculpas para a fraca procura turística da Guarda? Por outro lado, as dificuldades em criar emprego são mesmo reais e os empregos não nascem por um simples gesto voluntarista. Estiveram 308 concelhos na campanha a gritar alto que querem criar emprego no seu território.
Do outro lado, a “seriedade” da campanha do PS foi o trunfo encontrado por este partido na Guarda, mas foi também o seu busílis: faltou emoção e entusiasmo na coreografia dos grupos que circularam pelo concelho, não tendo bastado o regresso dos que se autoafastaram em 2013, com o candidato à Câmara a apalpar terreno até ao fim. Emoção e festa só na campanha da lista vencedora, fruto de uma estratégia de captação de apoiantes jovens muito eficaz. E convenceu que aquilo que não fez fará nos próximos quatro anos. Quanto ao PS, esqueceu-se que quem perde uma Câmara pela primeira vez de forma clamorosa tem a tendência de descer ainda mais um degrau.
Por outro lado, foi notória a real vontade de participação política de muitos independentes ou de mal alinhados nos próprios partidos, tão patente há 4 anos com a lista independente que partiu o PS ao meio. Esta onda de participação, que continuou agora, teve concretização na entrada de muitas caras dessas nas listas da maioria e da oposição ou no regresso a um PS sem cismas, mas ainda enfraquecido, com pouco treino e a acordar tarde para a contenda. É aliás de salientar que estes independentes ou desalinhados se foram espalhando democraticamente pelas diversas listas do cardápio, donde se comprova a real vontade de participação destes candidatos e a pouca espessura da ideologia na opção autárquica. Da esquerda passaram à direita ou da direita à esquerda, sem medo de pecar. Muitas vezes, para além da vontade de participar e influenciar a vida pública, foram mesmo afinidades de profissão ou de mesa de café que aliaram cumplicidades. Para muitos, no entanto, depois de duas chapeladas será o regresso à base.
Finalmente, o fenómeno de personalização das autárquicas com um dinossauro robusto e vencedor aqui na Guarda não deixou que as tendências nacionais se impusessem, levando também a fenómenos massivos de arrastamento da votação das Juntas para Câmara e Assembleia (um fenómeno copy-paste, que o partido maioritário dominou bem). Por outro lado, o CDS não foi compreendido na sua separação de um PSD vencedor e o facto de ter servido de “barriga de aluguer” para um conjunto de não-alinhados não funcionou bem na Guarda pela ambiguidade que criou na cabeça dos eleitores. Tornaram-se atrativos a uma margem mas foram água e azeite ao mesmo tempo. A fasquia era muito alta.
A Guarda enfrenta agora, como todos reconhecem, os desafios da atração de pessoas e empresas. Não vai ser fácil mas as prioridades das diversas forças políticas não eram afinal muito diferentes: atração de empresas, ligação à Serra da Estrela, renovação do centro histórico, construção de estruturas fortes para atrair o turismo, recuperação da Praça Velha, abertura do Hotel Turismo, condições decentes para a feira quinzenal. Que daqui a 4 anos estejamos a falar aqui de problemas menores.
Por: Joaquim Igreja
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