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A culpa morre sempre solteira

Editorial

As temperaturas elevadas em junho e julho (com dias em que os termómetros estiveram, anormalmente, acima dos 40 graus) propiciaram um ambiente de fogos e destruição por todo o interior do país. A tragédia atingiu de forma brutal o concelho de Pedrógão Grande, com mortes e destruição impressionante. Mas o resto do país arde, como todos os anos, de acordo com a vontade dos ventos, dos acidentes ou dos incendiários. Um país que arde assim é um país devastado, é um país abandonado.

Os políticos, que só se dão conta do flagelo quando o fogo lhes entra pela casa dentro pela televisão, ocuparam o espectro mediático à procura de culpados, entre listas de nomes de cadáveres ou sistemas de comunicação milionários mas que não dão resposta quando são necessários. A agenda mediática não devia ser a agenda dos políticos, mas é. E só o momento conta. Não aprenderam a lição de tantos e tantos fogos que ao longo de anos destruíram floresta, campo e vidas. Não aprenderam que deviam ter legislado e defendido o país, muito para além da feira de vaidades em que muitas vezes se transforma o momento do rescaldo do fogo, com muitos pirilampos e visitas de circunstância.

Atravessar os concelhos da Beira Baixa – da Sertã, de Proença-a-Nova, de Mação… ou de Pedrógão ou Figueiró dos Vinhos ou Oleiros… é penetrar num mundo sombrio e negro, é ter uma visão apocalítica de um território amaldiçoado, ostracizado e pobre. É entrar no Portugal profundo de que todos se esqueceram, de que todos nos esquecemos!

Os políticos tinham obrigação há muitos anos de planearem, de programarem, de liderarem o desenvolvimento do país como um todo. Porque onde houver desenvolvimento há menos pobreza e haverá mais gente, mais pessoas para dar vida aos territórios e manter viva a natureza, o campo e as serras. A coesão territorial, sempre adiada, tem de ser implementada para contrariar o despovoamento e salvar a flora e fauna de um país devastado pelo abandono e pelos fogos.

O flagelo e a tragédia deste ano, e deste verão que promete ser longo e incendiário, pode ser uma oportunidade. A “última”! Uma oportunidade que as gerações anteriores perderam, que os políticos têm descurado, para discutir um novo futuro dos territórios. Um futuro em que, como defendeu Rui Tavares no “Público”, se tem de discutir a regionalização e o futuro da universidade, mas também as energias renováveis, a economia rural e a economia do mar, o impacto da automação no trabalho e a valorização das pessoas, o conhecimento, o território, a cultura, a saúde, a qualidade de vida nas grandes cidades e a qualidade de vida longe das grandes cidades, em que temos de discutir se Lisboa tem de continuar a ser o centro de tudo ou se há país para além de Lisboa – e se é admissível que a capital receba fundos estruturais que eram destinados ao resto do país com o argumento de que com mais desenvolvimento de Lisboa haverá um efeitos multiplicador de desenvolvimento nas demais regiões. E se é aceitável que os serviços continuem centralizados e concentrados numa única cidade, a capital, que vive com os olhos postos no mundo e recebe visitantes de todo o mundo, mas que já não olha para o resto do país.

Enquanto o país arde, o governo decidiu, emocionalmente, instalar a sede da Unidade de Missão para o interior em Pedrógão Grande para, simbolicamente, a partir do concelho da tragédia iniciar uma mutação, mas a coordenadora da Unidade, Helena Freitas, até então com a sede à porta de casa, em Coimbra, despediu-se porque afinal em 500 dias de Missão ajudou a fazer o levantamento e promoveu um pacote de 160 medidas, sem novidades, que prometiam mudar tudo, mas irão deixar tudo na mesma. Porque o interior está condenado a arder em fogo lento. Se não agarrarmos o futuro agora, a culpa será dos políticos e dos partidos, mas também de todos os que permitirem que tudo continue na mesma.

Luis Baptista-Martins

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