Arquivo

Viagem à terra queimada

Mais de oito mil hectares terão ardido na semana passada no concelho da Guarda num incêndio que alastrou aos municípios vizinhos de Almeida, Pinhel e Sabugal

Luís Teixeira está de luto, tal como a paisagem que o rodeia após a passagem, na semana passada, de um dos incêndios mais devastadores dos últimos anos na Guarda. Ainda não há estimativas oficiais da área ardida, mas segundo o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios, entre 17 e 19 de julho terão ardido mais de oito mil hectares só neste concelho.

O empresário da Castanheira, aldeia que esteve cercada pelas chamas, perdeu um camião frigorífico e é a imagem da revolta pelo que se passou nesses dias. A residir na Guarda, Luís Teixeira já não chegou a tempo de salvar o veículo com que iniciou a sua atividade na área dos enchidos, há 30 anos, e para assinalar simbolicamente esta perda vestiu-se de negro. Foi também a forma encontrada para protestar contra a falta de coordenação dos meios no terreno. «Para quê aquela parada de carros de alta tecnologia, que mais pareceu um desafio para ver qual a corporação com o melhor veículo, se eles não combateram isto?», critica o empresário, que não encontra explicações para o que se passou. «O fogo foi ateado nalgum sítio, veio por aí fora, existiam aqui meios suficientes para apagar o que raio fosse, mas não conseguiram. Porquê?», volta a interrogar-se. O empresário, que já foi à Polícia Judiciária, espera ser ressarcido dos prejuízos porque «a vida custa a todos, não fui eu o incendiário e se houver suspeitas – e há, pelo que ouvi – existe uma PJ para investigar». Na sua opinião, é preciso saber quem foram os culpados porque «alguém tem que ter culpa. Não fui eu que fiz isto, nem foi obra do Espírito Santo».

Nesta zona do concelho o verde deu lugar ao negro. São hectares queimados a perder de vista entre o Rochoso e a Castanheira, duas freguesias da Guarda, mas também na Cerdeira (Sabugal), no Freixo (Almeida) e em Pínzio (Pinhel). O fogo levou consigo mato, floresta e terrenos agrícolas, mas também algumas arrecadações, forragens armazenadas e alfaias, havendo ainda registo de um criador que perdeu algumas vacas. A região é hoje a imagem da desolação e os seus habitantes não vão esquecer tão cedo aqueles dois dias de inferno. A viver em São Paulo, Manuel Pereira está de férias na Castanheira e confessa que apanhou o susto da sua vida: «Foi muito feio, fiquei muito apavorado. O fogo chegou perto das casas de uns tios meus e tivemos que ajudar». Na sua opinião, os bombeiros estiveram bem, pois «onde viam que o fogo não causava tantos danos, o fogo passava, quando chegava perto das casas aí agiam». No seu caso as chamas apenas consumiram um prédio com pinhal e mato, bem como uma casa já devoluta.

Na Cerdeira, já no concelho do Sabugal, também se viveram momentos de aflição. Atiçadas pelo vento, as chamas progrediram com intensidade e, para trás, deixaram um rasto de destruição e de impotência. «Esta era uma zona de pinhais, carvalhais e muito mato. Quando o fogo aqui chegou estava muito calor e o vento era muito intenso e o incêndio começou a ter dimensões muito grandes que já não foi fácil combater», recorda Hermínio Brito, que perdeu um pinhal e uma vinha. O habitante não culpa os bombeiros, que tiveram nos populares uma grande ajuda no combate ao fogo: «Fizemos o que pudemos. Ajudámos e colaborámos durante toda a noite. Já os bombeiros, coitados, eles esperam ordens da proteção civil, pelo que me apercebi», conta.

Luis Martins O fogo não fez vítimas mas consumiu mato, floresta, terrenos agrícolas, arrecadações, forragens e alfaias

Sobre o autor

Leave a Reply