Nesta cidade paira a ideia de que tudo o que está longe da vista está longe do coração. É a ETAR de São Miguel, com o seu propósito deficitário e um rio Diz a pagar com língua de palmo; são as aldeias/bairros da Cabreira e Carapito com ruas tiradas de Alepo, onde se vê algum alcatrão nos intervalos dos buracos e, por último mas não em último, uma quinta, ex-pedagógica, da Maúnça a morrer rapidamente.
No outro dia, numa das minhas caminhadas, passei pela quinta e, para meu espanto, fiquei com a nítida sensação que o tempo por ali parou. As hortas parecem-me ao abandono, vê-se mato alto em toda a extensão a convidar o fogo e, disse-me um amigo de um amigo, que tem a tempo inteiro apenas um funcionário (teve, no pretérito, vários funcionários alocados), ao qual retiraram o computador e o acesso ao telefone e internet, numa medida aparentemente estalinista, sabe-se lá de quem.
Para nos situarmos no tempo vamos recordar o que já foi aquela quinta. Àquela quinta acorreram milhares de crianças em visitas de estudo que tinham, para além de um importante papel de educação ambiental, um papel lúdico e refrescante, em oposição ao tédio e mofo que muitas sentem ao passarem horas a fio sentados a uma secretária de escola. Naquela quinta chegaram a ser produzidos produtos hortícolas que forneceram as cantinas administradas pela Câmara Municipal, numa situação de ganho mútuo. Foi daquela quinta que alguns de nós trouxemos para os nossos quintais ex-bidões engenhosa e economicamente transformados em compostores (reduzindo com isso os resíduos orgânicos para aterro). Foi do viveiro daquela quinta que trouxe uma árvore que transplantei para o passeio junto a minha casa para substituir uma morta. Foi lá que tivemos o prazer de fazer algumas passagens nas nossas caminhadas, sentindo muito orgulho por aquela instalação, o que ela significava e a paz que nos transmitia.
Como cidadão questiono a opção deste executivo relativamente àquele espaço. Sinto-me defraudado e exijo mais respeito por uma instalação que é (foi) um exemplo a seguir por muitos outros municípios, em tempos que se querem, cada vez mais, de desenvolvimento sustentável.
Eu entendo que, numa perspetiva dinossáurica de gestão de um município, o betuminoso e o betão serão sempre os melhores amigos de quem anda nisto e vive disto há muitos anos. Mas choca-me que se cortem árvores de porte para plantar “frangas”, e que se inundem rotundas de flores, para armar ao pingarelho, não utilizando a prata da casa, num processo de “outsourcing”, do ponto de vista da gestão financeira, no mínimo questionável, ao mesmo tempo que se abate um projeto exemplar. Uma quinta da Maúnça a funcionar em pleno, com os seus viveiros a debitar legumes, flores e árvores, aproveitando as dezenas de jardineiros que agora mal vejo nas ruas. Seria uma excelente opção e que ficaria, com certeza, muito mais em conta.
Haja alguém que questione, em sede de Assembleia Municipal, acerca do que se está a passar com este espaço. Porque esta oposição é também ela uma fraude e é facilmente colada aos anos de estagnação e silenciada. Mas isto também não é progresso. No entanto, temo que toda a gente vá andar entretida com mais umas noites brancas ou rosa ou amarelas às riscas e também com umas merecidas férias nos próximos tempos. Para muitos, a Maúnça é um legado socialista com o qual não se identificam. Com o indivíduo veio a nova ordem e com os seus discursos inflamados a lei. Fica a denúncia. Cabe a quem pode a tarefa de fazer algo para mudar esta situação escandalosa. Viva a quinta pedagógica da Maúnça!
Por: José Carlos Lopes