Poderia escrever apenas sobre as coisas de que o Vasco me ensinou a gostar, como Florença, a praia fluvial de Verdelhos, aquela curva de rio perto de Maçaínhas, ou uma certa perspetiva da praia de Quiaios em direção à Figueira da Foz. Poderia contar-vos como lhe telefonava de qualquer lado e perguntava: “Vasco, estou algures no meio do Alentejo, perto de (sei lá onde), onde devo ir almoçar?” – e ele me sugeria um sítio onde iria voltar muitas vezes. Ou então as coisas aparentemente difíceis que ele transformava em coisa pouca: “Vasco, dói-me (aqui, ali), é desta?” e ele me explicava em meia dúzia de frases certas que não, que não era desta, mas que não me faria mal nenhum ter mais juízo e que aquele medicamento me iria fazer muito bem. E fazia.
Ou então como me explicava os truques da má medicina, ou as habilidades de charlatão da indústria farmacêutica, com a criação de doenças que na realidade não existem e servem só para vender medicamentos que não servem para nada. Ou as histórias mal contadas do sal e do colesterol, ou a vergonha das estatinas.
Houve uma altura em que assinalávamos o início dos dias mais longos e soalheiros com um jantar nas Casas do Bragal, em maio ou junho de cada ano. Chegávamos lá ao fim da tarde e pedíamos dois Dry Martinis (shaken, not stirren). Enquanto nos preparavam a mesa lá dentro, apreciávamos o pôr-do-sol na esplanada, de copo na mão. Depois, era conversa até às tantas.
Como dizia na semana passada o Fernando Pereira (um amigo que ganhei com o Vasco), ele era o melhor de nós todos. Não se lhe ouvia dizer mal de alguém, não se lhe conheciam ódios de estimação, tentava ser sempre justo, estava sempre disponível, queria sempre a verdade em tudo.
Sabíamos já, quando ele ficou doente, que era muito difícil não o perdermos, tão grave era seu estado de saúde. Tínhamos todos uma secreta esperança de que no final ia tudo correr bem, que o Vasco, na vigésima quinta hora iria salvar-se, mas não aconteceu o milagre.
No ano em que o Trapattoni levou o Benfica ao título, após uma década de jejum, o Vasco lançou o desafio, em maio: “Se o Benfica for campeão, vamos todos “de pé” a Fátima, almoçar ao Tia Alice!” e desviando-nos cuidadosamente do santuário. Iríamos de pé, no comboio, e alguém nos iria buscar depois numa ou duas carrinhas alugadas, conduzidas de preferência por adeptos do Porto ou do Sporting. Nunca cumprimos a “promessa” mas ficou a ideia. Não sei se teremos coragem de ir este ano, que passou muito pouco tempo desde o dia em que o perdemos, mas teríamos muitas memórias dele a partilhar entre todos.
Por: António Ferreira
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