Conheço de modo pleno os defeitos das pessoas. Dedico-me com afinco a conhecer gente e vejo-a que se aproxima. Uns olham para mim e não me dizem nada. Outros imprimem-me textos que muitos não sabem ler. Tive dias incríveis em que percebia que estavam a tresler-me porque abriam a boca à medida que me soletravam. Eu, papel, me confesso abusado. Abusam das mentiras que me tatuam. Abusam das ofensas e das “pós-verdades” (uma coisa recente). Ultimamente as instituições afirmam em folhas escritas que vão deixar o papel e depois imprimem os textos em que o garantem. Em mim faz-se propaganda eleitoral, comercial, auto elogios. O papel devia servir para registos fidedignos, coleção de saberes e construção de enciclopédias e ciência. Atualmente o facebook retirou-me algum protagonismo e diminuiu o meu uso. Há menos jornais e há menos livrarias. Sobretudo os que leem são menos letrados. Eles leem mas com dificuldade de interpretação. No papel deviam deixar as emoções, as cartas de amor e as atas de constituição e de fim. Em mim se jura a honra e se assina a certeza da verdade. Eu sou o papel da história, dos grandes textos, da Bíblia, do Corão, do Tripitaka, os Vedas, a Odisseia. Mas também sou o lugar da impressão dos crimes, dos tratados do ódio, do registo do escárnio. Sou a prova física da mente dos homens e das suas opiniões, devaneios, mentiras, heroísmo, amor e paixão. No papel quer-se o registo para que fique, para que perdure a memória.
Por: Diogo Cabrita