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(Des)regionalizar

Editorial

Discretamente, e quase sem se dar por isso, o governo tem promovido a regionalização em diferentes sectores. E faz bem!

Porém, muitas das opções que estão a ser promovidas, ou mesmo implementadas, são completamente feitas ao arrepio dos mais elementares pressupostos democráticos.

Entre elas destacar a fórmula circunspecta que está a ser desenhada para a eleição de novas lideranças regionais. O governo não pretende nomear os futuros presidentes das comissões de coordenação regional (CCDR ) e vai regulamentar a sua eleição já para as próximas autárquicas – as regiões metropolitanas de Lisboa e Porto irão ter presidências eleitas em sufrágio universal. Ou seja, os eleitores de Lisboa e Porto irão votar e escolher os presidentes das CCDR de forma direta, democrática e universal. Pelo contrário, as lideranças das demais comissões de coordenação regional irão emanar de um colégio eleitoral a constituir entre autarcas e comunidades intermunicipais (dominadas pelos mesmos autarcas). O próximo presidente da CCDR Centro (e os da CCDR Norte e CCDR Sul) será um autarca, eleito interpares, já em 2018. De forma desigual e antidemocrática, se a legislação a aprovar for no sentido da proposta do ministro Adjunto Eduardo Cabrita, os eleitores de Lisboa e Porto votarão diretamente para o “governo” regional, enquanto aos demais eleitores portugueses não será reconhecida maioridade, idoneidade e habilitação para votarem e elegerem o presidente da CCDR. Muito mais do que uma regionalização encapotada, que devia ser assumida sem preconceitos nem receios, mas com o envolvimento e a participação esclarecida de todos, vamos ter uma regionalização aos solavancos, com a descriminação dos cidadãos e a entrega do poder aos eleitos locais – que sendo democraticamente eleitos para uma função não deviam ser os postilhões dominadores de outros mandatos que não o local.

Outra matéria sensível que o governo pretende “regionalizar” é a descentralização do IMI. A reforma pretendida, e que entretanto ainda não conseguiu o acordo das partes envolvidas, prende-se com a proposta de descentralização da avaliação de imóveis para efeitos de cobrança do IMI. A falta de bom senso do projeto legislativo entregue na Assembleia da República tem permitido as mais diversas críticas. Desde logo porque os municípios não estão preparados tecnicamente para fazer a avaliação correta e idónea dos imóveis; depois porque a descentralização de competência terá de implicar a instalação de novos serviços nas autarquias e a contratação e formação de pessoal para essa atribuição; em terceiro lugar porque essa descentralização pode trazer maior diferença e desigualdade entre municípios; e por último, o mais relevante, o imposto sobre o património imobiliário passar a ser definido pelo arbítrio de regras locais e a sagacidade do pode local poderá implicar o aumento artificial das avaliações e implicar o pagamento de IMI de acordo com as necessidades de financiamento da “obra” de “alguns” autarcas (a baliza hoje prevista entre os 0,25 e os 0,45 já promove desigualdade e funciona de acordo com os índices de necessidade de dinheiro das autarquias, mas está devidamente enquadrada em princípios elementares e corretamente escrutinados e da avaliação feita de acordo com regras universais da máquina fiscal).

Há muito a fazer, e faz sentido promover a regionalização e a descentralização de competências, mas não faz sentido transferir competências das Finanças, onde há qualidade e “know-how”, para as autarquias locais.

Luis Baptista-Martins

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