Em 1986, Mário Soares enfrentou Freitas do Amaral na campanha mais entusiasmante da democracia. O socialista começou com oito por cento e acabou Presidente. Cinco anos depois seria reeleito por mais de 70 por cento dos eleitores, e o apoio do PSD, além do PS, claro. Antes de se candidatar à Presidência, Soares fora três vezes eleito primeiro-ministro, depois de ganhar nas urnas o PS. E em 2006 voltaria a ser candidato à Presidência (e apesar do “mau resultado”, de 14 por cento, teve mais de 700 mil votos) quando todos pensavam num velhinho reformado, Soares deu mostras de grande energia e capacidade de intervenção Democrática – porque viver em Democracia é, em primeiro lugar, isso mesmo, ter direitos e deveres cívicos, é debater e é participar…
Os últimos 20 anos da vida de Mário Soares são porventura menos proeminentes, menos memoráveis, menos intensos e menos relevantes na história contemporânea portuguesa. Mas todos os anos anteriores foram da maior relevância. “Soares é fixe” porque viveu tempo suficiente para nos garantir uma vida em liberdade.
Mário Soares lutou contra o salazarismo, lutou pela liberdade. Foi preso e deportado, esteve exilado e regressou para celebrar a Democracia. Afirmou-se pela diferença lutando pela liberdade de expressão, pela liberdade de imprensa e contra todas as formas de opressão. Opôs-se a uma deriva esquerdista que o PC tentou impor e defendeu o regime democrático como oposição à emergência de um regime marxista-leninista (o famoso debate com Álvaro Cunhal, quase sempre recordado pela argúcia do então secretário-geral do PCP em responder cinicamente com um «olhe que não senhor doutor! olhe que não!» quando Soares afirmou que o PCP queria conduzir Portugal a uma ditadura marxista-leninista). E, de facto, foi esse o momento determinante e memorável para o triunfo da Democracia portuguesa.
Esse momento rotularia Mário Soares de “pai” da democracia portuguesa. Mas não foi o único. Soares teve muitos outros grandes momentos de contributo para a modernização e progresso da sociedade portuguesa e para a afirmação da Democracia quando muitos nem sequer a defendiam e outros tantos não acreditavam que poderia ocorrer.
Mário Soares teve uma longa carreira política, com altos e baixos, com momentos extraordinários e outros criticáveis. Mas, por tudo isso, Mário Soares marcou o seu tempo e foi a grande personalidade do Portugal da segunda metade do séc. XX. E merece a maior admiração de todos pelo seu empenho e a sua dedicação à República. Os que por estes dias têm, de forma vexatória, falado mal de Soares sabem pouco sobre o Portugal do séc. XX, pois se soubessem um bocadinho podiam não apreciar a personalidade ou admirar o político, mas teriam respeito e civilidade em relação ao antigo Presidente da República. Ele foi o homem da liberdade, da Democracia e que virou Portugal para a Europa e para a modernidade. Obrigado!
Luis Baptista-Martins