O Ministério Público (MP) considera que Júlio Santos, ex-autarca de Celorico da Beira que suspendeu funções há dois anos por suspeitas de corrupção para acto ilícito e branqueamento de capitais, criou um «ambiente de promiscuidade» com empreiteiros durante os seus últimos mandatos naquele município. A tese consta da acusação formulada recentemente pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Coimbra, em que o antigo presidente, eleito desde 1993 pelo PS e pelo MPT em 2001, é formalmente acusado dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito, branqueamento de capitais, peculato e abuso de poder. A notícia não causou surpresa na vila, mas ninguém quer comentar o caso.
Segundo o “Jornal de Notícias” do último domingo, em causa estão sobretudo duas das 30 situações investigadas desde Maio de 2001, após uma denúncia anónima, que fundamentam a acusação da prática de dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito. O caso mais grave data de 1999 e refere-se à consignação da variante a Celorico da Beira pela qual o autarca terá alegadamente exigido 50 mil contos à Manuel Rodrigues Gouveia, empresa de construção e obras públicas, pela adjudicação da empreitada. Esta acabou por ganhar o concurso apesar da reclamação de um concorrente preterido e, segundo o MP, o então presidente da Câmara terá recebido a quantia de 25 mil contos, entregue fraccionadamente e em numerário, supostamente em 2000 e 2001, após insistência junto do empreiteiro. Numa outra situação investigada pelo DIAP e que datará de 1997, Júlio Santos é igualmente acusado de pedir uma quantia «não referida» a um empreiteiro para lhe adjudicar a obra de uma estrada. O problema é que este não terá aceite o negócio e perdeu o concurso, mas ganhou o recurso interposto. Já com os trabalhos em curso, o MP terá então apurado que o ex-autarca acabou por solicitar cinco mil contos ao construtor numa altura em que a Câmara era devedora de cerca de 20 mil contos àquela empresa.
Acusação «fabricada»
Um montante alegadamente exigido para saldar a dívida do município, pelo que o empresário terá acedido em entregar parte só que preencheu o cheque de modo irregular. Como noticia o “JN”, o empreiteiro escreveu primeiro dois milhões de escudos, mas, no extenso, fez constar apenas «duzentos mil escudos», tendo entregue o cheque dobrado a Júlio Santos, que, não se apercebendo de imediato da “artimanha”, terá então pago 12 mil contos respeitantes à obra. Outra matéria apurada pelo DIAP diz respeito ao alegado crime de branqueamento de capitais – em que o sobrinho, as duas irmãs e respectivos maridos são considerados co-autores – pela pretensa utilização dos 25 mil contos na compra de um apartamento em nome do sobrinho O antigo presidente é também acusado da prática de crimes de peculato sob a forma continuada devido a milhares de contos em despesas pagas pela autarquia e que, segundo o DIAP, eram para uso pessoal do autarca, tais como canetas, roupa, obras de arte e outros objectos. Por outro lado, Júlio Santos terá ainda recebido dezenas de contos em ajudas de custo indevidas e gasto qualquer coisa como 45 mil contos em gastos com refeições em quatro anos.
Em declarações àquele diário, o ex-autarca, que aguarda pelo despacho de abertura da instrução, negou os crimes de que está a ser acusado e disse estar convicto de que este é «um processo político» e uma acusação «fabricada». Tanto assim que liga a investigação de que foi alvo ao seu afastamento do PS em 2001, quando concorreu à Câmara pelo Movimento do Partido da Terra (MPT). «O processo é político e é o PS que lhe dá origem», acusa, lembrando ter sido alvo de escutas telefónicas, buscas domiciliárias e de levantamento do sigilo bancário. «E apanharam zero», refere, garantindo que os crimes de que é acusado são anteriores a essa data e baseiam-se apenas em depoimentos. «O empreiteiro veio ao meu gabinete e disse-me que ou me lixava ou se lixava ele», disse Júlio Santos ao “JN”, sublinhando, por outro lado, que «exige ser julgado em Celorico da Beira para que as pessoas saibam tudo o que se passou». Quanto aos factos que lhe são imputados, garante nunca ter recebido qualquer verba e no segundo caso frisa que «não há cheque nenhum». Júlio Santos incorre numa pena de prisão que pode ir até aos oito anos caso seja condenado em tribunal pelos crimes agora imputados.
Luis Martins