Tenho referido, repetidamente, o meu lamento, por em Portugal ser tão difícil acordar em medidas de política de médio e longo prazo. E volto ao tema, confesso que mais por hábito do que por convicção que valha a pena.
Num contexto político de estabilidade constitucional, de plena integração de políticas comuns e diretivas da União Europeia, em face de todos os tratados internacionais que nos obrigam, estando todos os partidos políticos representados nas instituições europeias, acreditamos que de boa-fé e sem reserva mental parecia lógico servir o interesse nacional um acordo generalizado sobre políticas na segurança social, no trabalho, na justiça, na saúde, na educação, na defesa, bem como noutros domínios.
Acordos de regime em Portugal acrescentariam oportunidades de crescimento e desenvolvimento à economia, evitariam desperdícios e despesa pública injustificada, criaria confiança nos investidores e contribuiria para a paz e coesão social.
Acordos de regime significariam aproveitar as melhores ideias da direita e da esquerda, pois ninguém é dono e soberano da verdade. Infelizmente, não é o que acontece em Portugal. E por via disso abundam os maus exemplos de medidas avulsas, de curto prazo, polemizadas, sucessivamente revertidas, sempre que se altera o ciclo político de governo.
Um dos setores em que se manifesta o predomínio dessa visão curta é o da reforma do Estado e da Administração. Vem isto a propósito das decisões do anterior Governo de “reforma” das freguesias e dos tribunais, bem como de iniciativas anunciadas no contexto da atual maioria parlamentar de as reverter.
O anterior Governo decidiu implementar uma “reforma” no âmbito das freguesias, tendo conduzido à extinção de algumas e a consequente integração em novas unidades territoriais. Foi uma reforma desastrada, curta na ambição e no objeto.
Intervir neste domínio exigiria um amplo consenso, o repensar do território, atuar em todos os escalões de decisão administrativa. O mesmo se passou com a “reforma” da Justiça, tendo conduzido ao encerramento de cerca de vinte tribunais no país, sem atender aos recursos gastos pelo Estado, ao benefício e ao custo social das medidas.
Por seu lado, a decisão de reversão destas decisões é igualmente curta, pois não se pensa o território, não está em causa uma reforma de médio prazo, nem se procura um consenso generalizado. Não existiu no passado, nem existe no presente, qualquer vontade de intervir na reforma do Estado e da Administração.
Não há nenhuma razão para não reformar o Estado, não o aproximar dos cidadãos, não realizar uma descentralização administrativa eficaz no território que crie e potencie novas dinâmicas de desenvolvimento. As mesmas visões curtas nos polos opostos da política partidária em Portugal. É o país adiado outra vez. As mesmas interrogações sobre o futuro.
A propalada crise no seio da União Europeia é antes de mais a nossa afirmada incapacidade para gerar consensos políticos e acordos de regime. E por via disso não temos estabilidade de políticas que disciplinem o Orçamento, incutam confiança aos investidores e à economia. E tem sido assim no seio dos países do sul da Europa, onde por essa mesma razão emergem movimentos de extremismo e radicalismo político, de cidadãos descontentes com a incapacidade dos regimes de se regenerarem. Mas nós, todos nós, infelizmente, só cumprimos, quando obrigados a fazer.
Até ao próximo resgaste!
Por: Júlio Sarmento
* Ex-líder da Distrital do PSD da Guarda e antigo presidente da Câmara de Trancoso