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Mulheres de negro

Bilhete Postal

Há anos li a descrição da viagem, pelo império vátua, de Diocleciano das Neves em Moçambique. Há dias iniciei a leitura pelo livro fascinante de Mia Couto “As mulheres de cinza”. No segundo falam de Diocleciano das Neves, o famoso mercador português que para mais registava suas observações e curiosidades.

E vem tudo isto a propósito das mulheres de negro, de rosto coberto, que me rodeiam agora. Leio aqueles sabores abertos, descampados, as metamorfoses do desejo, recordo a papaia, a manga. Caminho depois por esta existência mais contida, este viver mais intimista, onde a descoberta ou o toque pode ser ofensa. Vivo as janelas fechadas por taipais, tento perceber os muros altos, as vidas contidas nas habitações familiares que o Rei disponibiliza. São separações fortificadas. Nos “coumpounds” europeus, também murados à volta, é mais a sensação do “big brother”, das famílias expostas envolvidas nas tricas do quotidiano. São as coscovelhices, são as tricas, os pequenos nadas que deturpam o dia-a-dia. As mulheres de negro não se podem tocar, não se devem olhar, não devem ficar muito tempo à espera e portanto passam à frente. Aqui a bravura de Diocleciano das Neves, a travessura das personagens de Mia Couto acabavam mal. É um mundo diverso. Consumista, de uma preguiça contundente e que deixa sequelas no porte físico e na desarrumação dos carros e das estradas. Muitos vão cheios de pressa para fazerem nada. O dinheiro e a fé estão implantados como pilares. Implantada a pobreza dos orientais que aqui chegam aos milhões para fugir da miséria. Implantada a ostentação dos carros e a força dos motores. A presença das mesquitas e a obrigação de tudo parar às horas de rezar fazem uma outra realidade que nos é peculiar. Claro que as mulheres de cinza me parecem mais felizes que as mulheres de negro.

Por: Diogo Cabrita

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