Andam as palavras desassossegadas, tontas e desvalorizadas pelo uso e abuso que delas fazemos.
As mesmas palavras e, todavia, para significar coisas tão distintas. Palavras que são as mesmas, mas que são valorizadas de forma diferente. Palavras boas que valem pouco e palavras más que valem muito. De entre os muitos exemplos que no dia-a-dia encontramos está a palavra “austeridade”. Palavra má se for dita por alguém de direita, palavra virtuosa se for pronunciada por alguém de esquerda.
O mesmo exemplo para a palavra “nomeação”. Se for dita por alguém de esquerda, aquela palavra é logo associada ao sentido da competência e do mérito, mas se for pronunciada por alguém de direita já o sentido é diverso, ligado ao interesse espúrio do favor.
E os exemplos não faltam: “hipocrisia”, “mentira”, são palavras que só podem ter um sentido, pois parece haver quem tenha nascido sem pecado original.
Exemplos não faltam para compreender porque é que as palavras andam em desassossego. O sentido das palavras fica assim ao arbítrio de quem as interpreta.
O abuso a que as palavras ficam sujeitas confere-lhes uma elasticidade inimaginável, acabando por substituir na retórica militante e vigente a própria identidade e os valores que lhes deviam servir de referência. As palavras, assim, parecem tão omnipresentes que como que remetem para a clandestinidade as ideias e os valores que as deviam formatar. Daí que se conclua que aquilo a que assistimos hoje é ao triunfo da palavra, solta, tonta, elástica, perversa.
Na verdade, hoje em dia já não há discurso ideológico, nem políticas que se afirmem pela diferença, mas apenas e tão só a retórica da palavra. Palavras, palavras, palavras…
Por: Júlio Sarmento
* Ex-presidente da Câmara de Trancoso e antigo líder da Distrital do PSD da Guarda