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Espein, Espein: ‘16

Theatrum Mundi

Sempre houve várias Espanhas – e Luís de Camões sabia isso quando escreveu Os Lusíadas – mas as dinâmicas políticas geradas, desde finais da Idade Média, em Madrid sempre apontaram para a superação dessas diferenças em nome da construção de uma Espanha “una, grande y libre”. Da conquista romana até aos dias de hoje, o espaço ibérico permanece um estudo de caso das tensões dinâmicas que emergem, no interior de um complexo cultural integrado, entre concentração e desconcentração, entre império e autonomia das periferias, entre a ‘grande’ nação e as ‘pequenas’ nações. Este revela-se um quadro ao mesmo tempo dinâmico e persistente, permitindo ler a política ibérica numa perspetiva de longa duração que acolhe e integra mudança e continuidade, sem impor uma racionalidade geral ao processo histórico nem um qualquer fim da história. Talvez valesse a pena revisitar os pequenos quadros da longa histórica ibérica para compreender o momento atual: da regionalização do império romano à sua fragmentação; do califado de Córdoba à disseminação dos reinos das taifas; da criação dos reinos cristãos da reconquista à emergência do reino de Espanha e à monarquia dual de Felipe II, em 1580; das relações de desconfiança entre dois estados soberanos, que atravessou os séculos XIX e XX, à transição democrática e à integração nas comunidades europeias.

Os políticos do PP em Madrid, e em Barcelona, bem podem perorar contra o senhor Puigdemont – o novíssimo intérprete da ambição secessionista catalã – e relembrar mais ou menos subtilmente o império da lei, mas não há como ignorar que o estado de direito não é um seguro definitivo contra a autodeterminação e as ambições nacionais, para lá da meseta. A transição democrática e a Constituição de 1978 permitiram renegociar a convivência numa estrutura estatal comum, depois de décadas de violência do centro que deixaram marcas e que, aliás, estiveram bem presentes no debate de investidura de Carles Puigdemont, no domingo, como 130º presidente da Generalitat catalã. As Espanhas encontram-se hoje numa nova encruzilhada, que nem o esbatimento da soberania no quadro da União Europeia consegue privar de dramatismo e emoção. Nas últimas semanas, tanto a Catalunha como a Espanha têm vivido com governos em função, fruto de eleições legislativas em que a vontade do eleitorado se expressou de forma fragmentada e aprofundando as múltiplas fraturas que persistem na sociedade. Um novo governa na Catalunha foi possível in extremis, antes de finalizar o prazo para a convocação de novas eleições, depois de difíceis negociações entre a esquerda e a direita nacionalistas e em torno do interesse maior a que chamam processo de desconexão face ao estado espanhol. Eleito o novo presidente, o governo deverá avançar com a iniciativa em três matérias consideradas prioritárias: o processo constituinte, a máquina tributária autónoma e a segurança social.

Desde Madrid, voltaram a soar todos os alarmes. Apesar do Tribunal Constitucional ter declarada nula a declaração de independência de novembro último, a existência de um Parlamento com maioria nacionalista em Barcelona e, ainda por cima, capaz de ultrapassar as diferenças entre direita e esquerda nacionalista para investir um novo presidente, mostra a Madrid que o processo não é uma utopia. Mais ainda quando o próprio processo de formação de uma nova maioria no Congresso de Deputados promete ser mais árduo que em Barcelona. Com o PP à procura de uma grande coligação à alemã, que o mantenha no poder, e o PSOE à procura de um acordo à portuguesa capaz de destronar Rajoy e os conservadores, são ironicamente os nacionalistas que podem vir a sustentar um governo de esquerda caso o PSOE mantenha a decisão de inviabilizar um novo governo de Rajoy. Isto claro, desde que os barões socialistas não se revoltem contra Sánchez e seja possível iludir, pelo menos para já, a reivindicação do partido Podemos para a realização de um referendo de autodeterminação na Catalunha. Seja como for, o estado de direito espanhol está a mostrar à saciedade os seus limites para promover a convivência entre grupos que se consideram nações e, portanto, com que reivindicam a legitimidade exclusiva para decidir o futuro comum de uma sociedade que é, afinal de contas, complexa e integrada.

Por: Marcos Farias Ferreira

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