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Eleger um Presidente? Só com visão

Se elegemos um Presidente da República por sufrágio direto e universal é certamente para eleger uma mulher ou um homem de visão, uma personalidade com um ponto de vista sobre o país, a sociedade, a cultura, os grandes desafios de desenvolvimento. Um ponto de vista que não desmereça o país, que tenha em consideração que deve representar o país todo e de forma consequente. Não se elege um Presidente para governar, nem para fazer o papel da oposição. Muito menos para fazer de escudo cúmplice do governo, como tantas vezes sucedeu como o Presidente ainda em funções. Mas ser Presidente da República em Portugal não tem de ser apenas uma tarefa de controlo e atenção aos atos governativos. Jorge Sampaio, talvez o nosso melhor Presidente na ainda breve história da democracia portuguesa, compreendeu o alcance da representatividade associada ao semipresidencialismo português. Havia uma “magistratura de iniciativa” a fazer, que, precisamente por não governar, podia de forma mais franca e livre suscitar grandes debates, identificar problemas, incentivar novas abordagens. Antes, Mário Soares, que foi o primeiro presidente civil eleito por sufrágio universal, adotara uma magistratura da influência que se propunha intermediar e produzir vasos comunicantes entre a sociedade e os seus interesses, por um lado, e os centros de decisão política, por outro. Embora possa parecer o contrário, a “influência” da magistratura de Soares não fora menos marcante do que a subsequente “iniciativa” de Sampaio. Estava em causa conseguir catalizar consensos e cimentar a coesão nacional. Ambos os Presidentes socialistas continuavam assim, de forma adaptada ao tempo dos seus respetivos mandatos, o lema que, antes, o general Eanes cunhara: ser Presidente de todos os portugueses.

Este mês Cavaco Silva termina o seu segundo mandato como o Presidente menos apreciado de sempre dos portugueses e a razão mais clara para o seu insucesso prende-se com o facto da sua ter sido uma magistratura da divisão, a que se alia uma cumplicidade governamental que não se esperaria quando a Constituição era objeto de uma pressão até então nunca vista e a sociedade sujeitada a sacrifícios tremendos, aliás, hoje cada vez mais lamentavelmente perdidos no socorro a buracos financeiros de um banca profundamente conluiada com o poder político. Cavaco não honrou o passado presidencial.

Agora, encontramo-nos em plena campanha eleitoral. O candidato mais bem colocado nas sondagens é Marcelo Rebelo de Sousa, mas não traz ex-Presidentes na lapela. As razões adivinham-se. A sua proposta parece modestíssima: uma magistratura apenas arbitral. Mas não é modéstia esvaziar a representatividade de um Presidente eleito por todos os portugueses, reduzindo-o à função de um árbitro. Pelo contrário, é um ambicioso projeto de secundarização que não se fica por fazer do semipresidencialismo um sorriso televisivo . A aposta é na concentração de poderes, certamente os governamentais. Não votarei em Marcelo por ser o candidato da direita, mas fosse de esquerda também não votaria nele pois seria um voto pela despromoção do semipresidencialismo.

Quem traz na lapela os ex-Presidentes Eanes, Soares e Sampaio é o candidato Sampaio da Nóvoa. De novo, as razões adivinham-se. Tem visão, como logo mostrou no discurso já célebre do Dia de Portugal de 2012, que pronunciou na qualidade de presidente da Comissão Organizadora das celebrações. Dizia então: «O heroísmo a que somos chamados é, hoje, o heroísmo das coisas básicas e simples – oportunidades, emprego, segurança, liberdade. O heroísmo de um país normal, assente no trabalho e no ensino». E tem o lastro – que nada tem que ver com generalatos de carreira política – que lhe permitiu fazer prevalecer, serenamente, um ponto de vista para o país nos debates que tiveram lugar nas últimas semanas. Era bom levá-lo a uma segunda volta. Porque mais do que eleger um Presidente que suceda a Cavaco Silva, está em causa restaurar uma Presidência a sério.

Por: André Barata

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