Imagine o leitor o que seria deste país se um dia a Polícia Judiciária irrompesse pelo Conselho da Magistratura adentro e detivesse, para interrogatório, a maioria dos seus membros. Diz-se, e bem, que a Justiça vai mal. Escreve-se todos os dias sobre isso e demonstra-se, por A mais B, que o mau funcionamento dos tribunais é responsável por parte significativa do défice público. Pode ser verdade, mas se os milhares de juízes que exercem a judicatura em Portugal tivessem os mesmos níveis de honestidade que a tropa fandanga da bola, então o escândalo teria proporções épicas. Neste caso, a sociedade teria perdido os poucos pontos de referência que ainda preserva. A Justiça é lenta mas vai funcionando. Os seus operadores estão sobrecarregados mas o sistema vai produzindo resultados, mesmo que devagar, sem meios e com erros. Estes, por sua vez, graças até aos excessos garantísticos do sistema, raramente são irreversíveis.
A Judiciária entrou no Conselho de Arbitragem e prendeu a maioria dos seus membros. Deteve também para interrogatório o presidente da Liga de Futebol. Ninguém se surpreendeu. Como eram mesmo as críticas sobre a Justiça?
Os detidos são suspeitos de viciação de resultados desportivos, que é o mesmo que dizer que alteraram a verdade desportiva de jogos de futebol através da manipulação da arbitragem. Isto, como é sabido, é fácil. Há as formas mais óbvias, através da marcação de penaltis injustos, ou da não marcação de penaltis claros, ou da expulsão injustificada de um jogador chave. Há também as formas subtis: a marcação de faltas perto da área do adversário, o enervar de uma equipa através de sucessivas decisões duvidosas em seu prejuízo, o permitir o massacre dos defesas a um avançado talentoso.
Recordo um jogo e uma arbitragem que são para mim o exemplo máximo do que é bater no fundo no futebol português. Um Boavista – Benfica de há um ou dois anos atrás. O Boavista ganhou com o mais obsceno anti-jogo já visto em Portugal, com faltas sucessivas, feias e impunes sobre Mantorras e os outros avançados do Benfica, com a marcação de faltas inexistentes sobre o Benfica e com o perdão descarado de outras mais óbvias ao Boavista. Esse árbitro, de que não sei o nome, se houvesse justiça no futebol estaria hoje preso, ou irradiado.
O futebol tem uma desvantagem face aos tribunais. É que toda a gente vai percebendo alguma coisa e a informação depois circula. Se uma arbitragem é escandalosa, as pessoas falam. Os crimes cometidos no relvado têm sempre testemunhas, por vezes milhares, e muitas vezes são retransmitidos pela televisão para milhões de outras testemunhas.
Escrevi uma vez que Portugal está entregue a uma clique corrupta e incompetente. Mantenho o que disse. Acredito também que nas cadeias portuguesas, apesar de superlotadas, há sempre lugar para mais um.
Por: António Ferreira