Perante a observação de uma colega em Trancoso despertou-me a necessidade de esclarecer a importância das receitas fiscais, resultantes dos impostos, pois são o meio pelo qual o Estado financia a oferta de bens e serviços públicos. Bens e serviços que, pela sua natureza, respondem à satisfação de necessidades humanas básicas e coletivas. Daí que apoie todas as medidas de combate à fuga e sobretudo à injustiça fiscal, assim ganhamos a consciência coletiva da importância dos impostos. Não basta dar o exemplo dos países nórdicos.
Os impostos não são só um atributo da soberania de um Estado, mas também do desempenho dessa mesma soberania, pois financiam um orçamento que, em si mesmo, comporta escolhas políticas, económicas e sociais. Sendo certo que a política fiscal pode promover essas escolhas, com incentivos na forma de benefícios, isenções e deduções fiscais, e/ou desincentivos, por exemplo, por via do agravamento das taxas legais de imposto, também é certo que a sua principal função é (devia ser) de natureza redistributiva, tanto ao nível do rendimento, como da riqueza gerada no todo nacional, promovendo uma mais justa distribuição e repartição do rendimento e o desenvolvimento económico e social harmonioso do território nacional.
Claro que o princípio da progressividade é um elemento essencial na repartição do esforço fiscal face ao rendimento que cada pessoa ou entidade aufere. As transferências do Estado sobre a forma de prestações sociais e o investimento público são elementos não só dessa redistribuição, mas importantes estabilizadores económicos, sobretudo na resposta aos períodos de desaceleração e recessão do ciclo económico.
Ora, a política fiscal é parte integrante da política de empobrecimento dos trabalhadores e do povo. Numa situação em que apenas 1% da população detém cerca de 25% da riqueza nacional, a política seguida foi de aumento brutal dos impostos sobre os trabalhadores, os reformados e a população em geral e de diminuição dos impostos sobre os grupos económicos e financeiros. O aumento dos impostos agravou a injustiça fiscal. O agravamento dos impostos sobre o consumo e, particularmente, sobre os rendimentos trabalho assumiu uma dimensão inaceitável. O peso do IRS não para de crescer, de tal forma que na receita fiscal conjunta com o IRC, enquanto a relação entre estes dois impostos diretos era de 3/5 de IRS, 2/5 de IRC em 2000, em 2014 essa relação é já de 3/4 de IRS, 1/4 de IRC. Ou seja, a receita fiscal tem cada vez mais um cariz regressivo, com um peso cada vez maior dos impostos indiretos no total da receita fiscal, nomeadamente o dos impostos sobre o consumo, como o IVA.
Quem sai penalizado? Os trabalhadores, os pensionistas e as camadas socialmente mais vulneráveis da população. Aqueles que têm maior propensão ao consumo, sobretudo de bens e serviços de primeira necessidade (como a alimentação), cujo consumo desses bens têm maior peso no rendimento disponível das famílias. No senso comum dos contribuintes é desarmar a discussão “como fugimos aos impostos”, devemos discutir seriamente o caminho da justiça fiscal que inverta outra pecha, a receita fiscal tem vindo a aumentar mas em contrapartida o Estado tem vindo a reduzir a sua oferta de bens e serviços públicos e as funções sociais do Estado por via da redução do número de trabalhadores do sector público, do encerramento de serviços de proximidade e das privatizações. Ao mesmo tempo que põe em causa as funções redistributivas do Estado, com a redução das prestações sociais e do investimento público.
Por: Honorato Robalo
* Membro do executivo da Direção da Organização Regional da Guarda do PCP