Os usuários da televisão por cabo em Portugal têm o privilégio de aceder àquilo que pode bem ser considerado um verdadeiro serviço público de televisão à escala global e que é prestado pela BBC. Desde os finais dos anos oitenta do século passado, acostumámo-nos a assistir cada vez mais em directo, e de forma cada vez mais empolada também, aos acontecimentos que foram marcando os destinos da famigerada sociedade globalizada. Passou a ser hábito considerar o ‘factor CNN’ entre os condicionantes das decisões dos estados e das reacções das opiniões públicas, de tal modo que a própria globalização anda frequentemente associada e confundida com os efeitos de uma televisão, americana, que transmite informação e valores à escala global. Daí que para uma parte importante da sociedade global, a globalização não passe de outro instrumento de uma americanização que assenta na força mas não dispensa o consentimento.
Seja como for, o que é indesmentível é que a televisão nos vai transformando a todos numa mesma audiência global, facto que torna mais imprescindível do que nunca um serviço público audiovisual que pense e interrogue a sociedade globalizada em que vivemos e que enuncie os problema e desfios que se lhe colocam. E que ainda que sob a tutela de um poder público, seja capaz de manter a independência e o distanciamento crítico face aos poderes públicos e privados. A BBC tem demonstrado essa virtualidade, e nem mesmo a senteça do relatório Hutton foi suficiente para colocar em causa todo o prestígio da instituição que Tomothy Garton Ash considerava, na semana passada, nas páginas do The Guardian, como o maior legado da Inglaterra ao mundo.
Através dos programas do canal internacional da BBC, o cidadão global tem a oportunidade de perceber a teia de influências e interdependências que dão forma a essa entidade que muitos invocam – a comunidade internacional – mas que parece nunca dispor de realidade concreta. Mais do que isso, tem a possibilidade de descobrir o papel e a influência de cada indivíduo na reprodução ou na contestação dos fenómenos globais. Ao contrário do que acontece com outras televisões com a mesma vocação, a BBC World assume a missão de formar uma cidadania global em torno de valores como a responsabilidade humanitária e a sustentabilidade ambiental, sem cair nunca na simplificação de temas que são complexos por natureza e sem eludir os dilemas morais que sempre acompanham as decisões, públicas e privadas, referentes a este tipo de problemas globais. E sem ideias feitas ou conclusões apriorísiticas. A BBC, através das suas notícias e documentários, demonstra uma sensibilidade especial para retratar os dilemas morais que resultam do paradoxo que é a constituição de uma sociedade global onde subsiste uma multiplicidade de poderes políticos soberanos.
Nestes últimos dias, a BBC World tem dado especial atenção a duas histórias paradigmáticas da intervenção humanitária: avaliar o esquecimento e a atraso da intervenção ocidental contra o genocídio do Ruanda há dez anos atrás, e avaliar o impacto da intervenção ocidental contra o Iraque no ano passado. O objectivo é o de sempre – contrastar experiências, lutar contra ideias feitas, formar uma cidadania global.
Por: Marcos Farias Ferreira