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O Mourão

Jogo de Sombras

Dizem uns que Júlio Sarmento tem talento político. Dizem outros que tal eminência só é verosímil na pobreza do teatro político-mediático em que se exibe a vida pública deste distrito. É possível passar por líder insigne num palco em que os enredos são frágeis, os actores são medíocres e o público é acrítico. Em síntese, é fácil ser rei numa terra de cegos. A verdade é que o presidente da Câmara de Trancoso, se não tem sido um autarca-modelo, tem pelo menos feito obra e não tem cedido à tentação cómoda da lamúria. Além disso, é dos poucos políticos no distrito – nem se contam pelos dedos de uma mão – capazes de partir a loiça. Não é raro ouvi-lo denunciar em voz alta as realidades que outros apenas sussurram ou nem sequer vêem: que esta região não desenvolve lideranças, que as forças partidárias são incapazes de influenciar o poder, que se promove o carreirismo e a mediocridade no lugar do mérito e da utilidade. É bom saber que há, neste brejo, vozes de Sarmentos que nos façam arregalar os ouvidos. É um alívio admitir que dois ou três autarcas, entre os quais o próprio, têm préstimo de hegemonia a uma escala que ultrapassa o seu próprio quintal. Ele sabe que nós sabemos e nós sabemos que ele sabe. Não foi por acaso que esta semana admitiu estar disposto a ser o próximo candidato do PSD à Câmara da Guarda, se a direcção nacional do partido lho pedir e o Governo, sendo agora da mesma cor, lhe puser na mão a faca e algum queijo. Não é difícil – nem casual, na sua própria perspectiva – perceber semelhanças entre esta predisposição para a luta pela conquista capital ao PS e, por exemplo, uma atitude idêntica que levou Joaquim Mourão, o autarca da Idanha, a conquistar a de Castelo Branco ao PSD, por acordo com o governo socialista. Júlio Sarmento não é o único das redondezas a desejar passar por Mourão da Guarda. Mas é talvez o que está em melhores condições de fazer esse papel. Em Trancoso já o dão, sem dramas de orfandade, como pronto para outros voos; tem um sucessor tacitamente designado; é transparente na ambição de chegar à capital do distrito e o partido, na vila, declara-se pronto a desobrigá-lo. Há um senão: é que Ana Manso já o intimou a deixar-se ficar onde está, facto que o próprio também fez questão de tornar público. À líder distrital do PSD não preocupará propriamente o risco – ainda assim improvável – de o partido perder a Câmara de Trancoso se não for Júlio Sarmento o cabeça de cartaz. O que a dana é ter concorrência na sua ânsia quase cega de ser candidata a presidente da Câmara da Guarda. Já arrumou, de forma sumária, os militantes contestatários que procuravam organizar-se numa alternativa. Com Sarmento a coisa pia mais fino. Como não lhe convém – ou não pode – fazer-lhe a folha, reiterou-lhe o convite para se recandidatar em Trancoso em nome dos superiores interesses do PSD (ou dos dela). Numa das vezes na presença do governador civil e do presidente da concelhia do partido na Guarda, como que a implorarem-lhe que “não nos arranje problemas”. Agora depende. Júlio Sarmento pode estar mesmo tentado a tomar uma candidatura à Câmara da Guarda como “corolário da minha vida política”, como declarou na entrevista que deu esta semana à Rádio Altitude. E não andando nisto há apenas dois dias conseguirá – deverá ser só uma questão de se mexer – que lhe amparem a ideia em Lisboa. Independentemente do resto, só esse cenário já se afigura interessante. Para ser perfeito, era o PS nacional impor também um candidato com essência: Pina Moura é uma boa hipótese. Um e outro tornariam as próximas eleições num acontecimento mobilizador. E poupar-nos-iam uma reprise sensaborona entre as duas senhoras – para continuar tudo na mesma.

Por: Rui Isidro

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