Quem desde sempre viveu no Interior tem um testemunho muito vivo do que é a desertificação, inacessível à grande maioria do país: o da sua própria memória. Eu próprio só tenho esta noção de forma indireta, quando, por exemplo, indo eu a uma escola do Interior, me explicam como antes eram as escolas que professores, funcionários e pais frequentaram. Onde hoje estudam algumas dezenas de crianças antes eram centenas, e onde hoje vivem centenas antes viviam milhares.
A esta noção emprestada pelo testemunho vivo, proponho juntar um pensamento simples: a desertificação é tão destruidora do país como o seu povoamento foi crucial para assegurar a sua existência. Não me custa crer que o país deva mais a sua existência ao rei povoador do que ao conquistador que o precedeu.
E não seria preciso remontar à extraordinária lucidez de D. Sancho I – ele que fundou a cidade da Guarda e passou carta de foral à Covilhã, a Belmonte e a Viseu – não fosse o facto de essa lucidez estar tão ausente dos poderes de decisão que realmente podem alterar um declínio populacional que parece ter-se tornado imparável. Ainda este ano, precisamente na celebração do dia de Portugal, diante do Presidente da República, Francisco Lopes, autarca de Lamego, fazia o inventário das consequências da desertificação: “sem pessoas não há produção económica ou cultural, não há consumo que dinamize os mercados, não há representatividade ou capacidade de reivindicação política, não há criatividade e inovação que assegurem futuro”. Disse bem e, sobretudo, disse-o na ocasião certa, pois será grande parte do país que deixa de haver.
O IIIº Fórum do Interior, sob o tema “Cooperação e Desenvolvimento Local”, começa já na próxima sexta-feira, em Penacova. Nesta excelente iniciativa participam representantes da sociedade e do poder local, académicos e técnicos. Em nota à comunicação social, é definida como sua missão encontrar formas de combater a degradação económica e social do Interior, designadamente de contrariar um diagnóstico que se apresenta esmagador: “despovoamento, envelhecimento da população, desemprego crescente, falta de oportunidades de trabalho, dificuldades de fixar a juventude, isolamento, altas taxas de pobreza, difícil acesso aos serviços básicos”.
O cenário é este, e para que esta não seja uma luta quixotesca contra moinhos de vento é preciso ir bem mais além do apelo a modelos de desenvolvimento assentes na economia social e solidária — por mais apoio que estes mereçam e por mais inclusivos e enraizadores que sejam. O repovoamento do Interior precisa de ser elevado à importância de um desígnio nacional e não pode dispensar uma política de incentivos corajosamente assumidos a partir do poder central. Já não serve, como no tempo de D. Sancho I, distribuir terras e privilégios. Acima de tudo, não serve a demagogia persistente de que tudo tem de ser igual para todos — esta serve principalmente o propósito de perpetuar o desigual.
É necessário, por exemplo, compreender por que razão a utilização de uma autoestrada do Interior não dever ser cobrada da mesma forma que a de uma do Litoral. É necessário compreender porque é que faz sentido dar incentivos fiscais às empresas e cidadãos que se dispõem a remar contra a maré que encosta todo o país à sua faixa litoral. É necessário compreender que os incentivos têm de ser confiáveis, e que para isso têm de ser duradoiros. E que só sendo plurais poderão ser cooperantes entre si. Porque não se leva um país a sério enquanto não se levar a sério a vida das pessoas.
Por: André Barata
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