Alguns apontamentos sobre tudo o que pode ser causa de uma derrota difícil de engolir pelos militantes do PS mais convictos e empenhados. Comecemos por isto: 1- discursos politicamente corretos com frases assertivas mas muitas vezes incoerentes têm lógica? O povo votou em quem assumiu radicalmente a pobreza e a emigração como caminhos. Aceitou um discurso duro mas transparente. Os eleitores afastaram-se das promessas. Esta mudança é um rombo no politicamente correto e nas construções ideológicas minimalistas. Os programas ideológicos pesam menos que a mensagem que nos surge projetada da realidade.
2- Vídeos transmitem a realidade construída por cada um e cada vez mais à medida de cada escolha. Os computadores transformam o processo geracional como a escrita criou o analfabetismo. Há uma vereda entre os utilizadores da internet e os seus avessos. É uma realidade que não tem ontem, pode regressar ao agora num clique na rede social. Os maus momentos não se descolam e não se apagam. É a geração online que não permite desventuras, só que esta geração agora vota. Não frequentam lojas, não se deslocam a Instituições, gostam pouco do contacto humano direto. Não é para discutir se sim, existem e votam e são cada dia mais. Estas pessoas votam como as da geração de Mário Soares, levam outra história na caneta menos usada e desejam votar por internet.
3- Depois existe a questão da realidade construída. Esta mania de executar discursos sustentados por meios factos, por semiverdades. A máxima leitura foi a de que “ele não é capaz e eu serei” que desenhada entre muros estava a uma gigantesca muralha do que seria a visão pública. Mas o erro esteve em muitos e não só em António Costa. O PS deve refletir longamente neste resultado e nesta quase incompreensível derrota. Prometer futuros radiosos em cenários trágicos é uma petulância que não colhe eleitores. Ser demasiado elaborado onde se exigem respostas óbvias que sejam inteligíveis em Massamá e em Vila Verde, foi um caminho errado. O não programa volta a derrotar o muito estruturado programa. A realidade construída, mais uma vez, erra o seu fim.
4- As conceptualizações vazias de sentido existem no discurso “esquerda e direita” que nada objetiva quanto aos problemas das pessoas. Queremos menos impostos e menos Estado? Queremos mais ou menos funcionalismo público? Queremos reformar a Segurança Social construindo balizas? A realidade não é canhota ou de direita. A realidade como a onda na praia não olha a quem molha, cai com estrondo e obriga a reflexões sérias, multidisciplinares e construídas sobre números absolutamente não fabricados. O povo rejeita as realidades ficcionadas ou as propostas de uma geração porque sim! O hoje é um terrível lugar onde se diluiu o passado no presente e onde o egoísmo máximo nos desprende das pessoas e nos arrasta para os afetos sobre o que podemos ter – como os animais. Há mais afeto e mais humanização dos animais porque são das pessoas! É fácil amar quem nos segue e nos abana o rabo ou sorri a cada movimento.
5- As convicções da esquerda, sustentadas ideologicamente, herdeiras de 1918 estão tão longe das novas realidades como os dinossauros nos nossos jardins zoológicos. Há uma ficção que urge pensar e há uma adaptação que é urgente fazer para trazer ao PS um novo destino e a Portugal uma nova visão atrativa e realista. Porque se impermeabilizou a outros pensadores fechando-se sobre uma arquitetura que não tem qualquer estrutura sobre o vivenciado. Lembro Felix Duque, Domingo Sanchez, Clément Rosset, Claudio Magris, Daniel Innerarity, Mehmet Ali Birand, Elon Musk, Michio Kaku, que como muitos outros teóricos, empresários, filósofos da China e da India, de África e da América estão a pensar o hoje e a deduzir a ideologia que deve orientar a economia, a ideologia que deve projetar as escolhas e portanto definir o que realmente hoje é esquerda e direita e o que realmente é progresso ou é desventura. O complexo marxista só pode manter-se no domínio da fé e a política não é religião. Quem não percebe a globalização social e económica, a transformação do planeta, a necessidade de contraditar os discursos pré determinados, a ideias das normas e das exigências que condicionam soluções, a ditadura dos grandes interesses mundiais como a indústria farmacêutica, petróleos, produção de carne e comércio em grandes superfícies, finança, etc.
6- O PS perde porque é um produto intoxicado de governações não avaliadas com transparência, de crítica destrutiva dos reguladores verdadeiramente independentes e criadores de fronteiras. O PS perde porque transporta os mesmos protagonistas das governações que recusa avaliar, perde porque o mundo mudou e ele não se apercebeu disso, perde porque não se abriu às novas evidências da realidade produzida pela cibernética. O PS também não mostrou querer libertar-nos dos espartilhos da comunicação onde poucos e sempre os mesmos, fabricam realidades que muitos já não se dão ao trabalho de ouvir. Foram todos estes que nos recusaram agora.
Por: Diogo Cabrita