Consideremos os factos. A coligação dos partidos de direita foi a força mais votada destas eleições. Contudo, esta coligação não obteve maioria absoluta. E a maioria dos portugueses votou em partidos cujos programas eleitorais se batem contra uma governação de austeridade. Ou seja, a maioria dos portugueses votou em programas eleitorais contraditórios com o da coligação PSD/CDS, que defende uma governação pró-austeridade.
Diante dos factos, a resposta só pode ser uma: se os partidos que representam a vontade democrática maioritária de pôr termo à governação austeritária forem capazes de se unir para uma solução governativa, devem ser estes a formar governo. Não só constituirão formalmente uma maioria absoluta, como constituirão uma maioria de conteúdo, em torno de um compromisso eleitoral explícito de pôr termo à austeridade.
Quanto a isto, se o PS, o BE, a CDU e, eventualmente, o PAN, não se puserem a empatar, o presidente também não poderá empatar muito. Por muito que desejasse reconduzir Passos Coelho, a sua obrigação enquanto presidente é verificar se a maioria parlamentar anti-austeridade mostra condições para ser governo. Quanto ao resto, Cavaco Silva é apenas um cidadão que já exerceu o seu direito de voto como todos os outros cidadãos.
É preciso sobretudo que quem deve governar não dê pretextos ao presidente. Primeiro, o PS não deve faltar aos seus eleitores, muitos deles levados por uma estratégia de voto útil contra a governação de austeridade. Se faltar, deve estar preparado para assumir que falta à palavra dada. Segundo, os partidos com assento parlamentar à esquerda do PS devem estar dispostos ao compromisso para garantir o objetivo comum do fim da governação austeritária.
O Presidente da República deve perguntar aos partidos à esquerda do PS se estão dispostos a integrar um governo com o PS e mesmo, caso não queiram integrá-lo, se estão dispostos a viabilizar um governo PS com o compromisso de parar a austeridade. Há mais do que uma forma dos partido de esquerda tentarem fazer parte de uma solução. O que não é solução é pôr uma minoria de direita a governar em contradição com a maioria eleitoral que exprimiu o seu voto no passado domingo.
Mas nem tudo depende dos partidos e das suas direções. Por vezes, é a atitude política que faz a diferença. Por exemplo, exigir-se, neste momento, a demissão de António Costa por ter perdido as eleições, é meio caminho andado para entregar o governo à austeridade. Com Cavaco Silva a esfregar as mãos. Ao pragmatismo autocondescendente da direita não devemos contrapor o coerentismo intransigente da esquerda, porque de ambos é a direita austeritária que tirará proveito, desrespeitando a escolha dos portugueses.
Por: André Barata
* Filósofo e professor da Universidade da Beira Interior