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Os Gatos causam-nos Vertigens

Opinião – Ovo de Colombo

Faz um ano que estreou o filme “Os Gatos não Têm Vertigens”, de António-Pedro Vasconcelos. Parece tardio falar nele agora. Acontece que reparo que muita gente não se apercebeu da qualidade desta obra-prima. Quando as coisas são muito boas, devem ser faladas, não esperando um pretexto para as abordar. Este é um filme digno de culto. Vejamos porquê.

Creio que cinema é, acima de tudo, narrar uma história através de imagens com o menor diálogo possível. Hitchcock era mestre nisto. “Os Gatos” não explora exatamente esta capacidade visual, mas vale por outras qualidades muito importantes, sendo o guião o ponto mais forte, pelas falas inteligentes, criatividade e temas atuais tratados (a delinquência, a solidão na velhice, a perda da independência). A criatividade prende-se no facto de se explorar uma vertente pouco abordada do amor. O amor entre um adolescente e uma mulher idosa não é, propriamente, comum. Este amor não é passional, mas do tipo “camaradagem”, o que não enfraquece a originalidade do argumento, mas a reforça. Afinal, o mais comum é explorar o amor passional. Vasconcelos fez um dos filmes mais românticos que existe, sem tratar do amor sensual.

Cuidar de alguém dá sentido à vida. Rosa (Maria do Céu Guerra), quando descobre Jó, o gato adolescente (João Jesus), sente-se útil e volta a valorizar a vida. Isto é amor. Jó, personagem tipo, vive num mundo cão, onde um gato tem poucas hipóteses de sobreviver. Aqui, o termo “cão” não serve para caracterizar o pai de Jó como “melhor amigo”. Neste filme, gatos são melhores que cães.

“Os Gatos” é um drama que se mistura harmoniosamente com humor inteligente. Além do guião, o desempenho de todos os atores e a fotografia (com destaque para os planos sequência) são excelentes. Jesus mistura rebeldia e sensibilidade e Guerra mostra doçura, mas, por vezes, revela uma convincente faceta dura. Um filme que faz refletir sobre o papel dos idosos e dos jovens “perdidos” que habitam Lisboa e todo o mundo. Sensível e envolvente. Recomendo.

Miguel Moreira*

* Miguel Moreira estreia nesta edição a sua colaboração com O INTERIOR sobre cinema. Tem 24 anos, reside em Seia e é licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Cinema pela Universidade da Beira Interior. É um apaixonado pela Sétima Arte, mais precisamente pelo Hollywood Clássico. É autor do Blog “Ziegfeld Boy”, onde escreve sobre variados aspetos da era de ouro do cinema. Participou, como jurado, no festival CineEco de 2013.

Sobre o autor

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