A História indica-nos que logo após a independência de Portugal foi criada uma província na fronteira designada Beira com capital na Guarda. Daí que a evolução do termo Beira se estendeu à Baixa e até ao Litoral. Esta explicação pode ser consultada nas várias crónicas de Pina Manique e Albuquerque, publicadas no jornal “O Districto da Guarda”.
O general João de Almeida, no seu livro “A Guarda, Capital da Beira” editado em 1937, escrevia: «Restaurada a província da Beira, como sinónimo da região militar fronteiriça, o seu limite do lado poente terminava nos do actual Distrito da Guarda, incluídos os Concelhos de Belmonte, Covilhã, Fundão e Penamacor, integrados, desde 1834 no de Castelo Branco».
Foi talvez por isso que em petição assinada por mais de 50 mil pessoas do distrito da Guarda e dos quatro concelhos integrados no distrito de Castelo Branco, com data de agosto de 1937, solicitava-se ao Governo de Oliveira Salazar a criação da Beira Serra, com capital na cidade da Guarda.
Só para percebermos a dimensão deste movimento diga-se que a Comissão de Honra era constituída por José Matoso, bispo católico na Guarda, Conde de Penha Garcia, General João de Almeida, Vasco Borges, Santos Lucas, Dinis da Fonseca, vários antigos ministros, juízes conselheiros, deputados, muita gente anónima, havendo comissões constituídas em todo o distrito e a nível nacional, de onde se conclui que volvidos 78 anos sob a petição que abanou a sociedade de então, os concelhos atrás referidos optaram por serem integrados nesta província cuja capital era a nossa cidade. Só por curiosidade, a Comissão que defendia esta solução era presidida, em Belmonte, pelo Dr. Guilhermino Martins Saraiva; na Covilhã pelo Dr. Mendes de Matos e pelo escritor Alçada Padez; no Fundão pelo Dr. Gomes de Carvalho; em Penamacor pelo Dr. António Almeida Barbas; enquanto na Guarda liderava o coronel Orlindo de Carvalho.
Salazar não percebeu, ou não quis perceber, a evidência da Região Histórica da Beira Serra, não respeitou os direitos dos Beirões, optando por um tratamento desigual entre as várias regiões do país e, socorrendo-me novamente dos escritos do general João de Almeida, que refere que a Guarda, se lhe fossem restituídos os quatro concelhos, passaria a ser o mais importante distrito pois, e, ainda, segundo ele, «a homogeneidade de características provinciais da Guarda corresponde a manta de retalhos, que é, sob todos os aspectos, o Distrito de Castelo Branco, sem raízes nem tradições no espaço e no tempo», para facilmente se concluir que em finais dos anos 30 e inicio dos anos 40, a Guarda era uma cidade altamente prestigiada, amada, compreendida, cheia de energia, de saúde. O Distrito tinha mais de 300.000 pessoas. Respirava pujança, vigor, qualidade, determinação. Tinha líderes. Tinha auto estima.
O tempo passou. A Guarda manteve durante décadas uma evolução e um protagonismo, invejado por outros, até que, por força do desenvolvimento que a Democracia aportou, as apostas de alguns governos, liderados por políticos oriundos da Baixa Beira, resultaram em processos de visível desigualdade entre cidades e vilas, deste interior profundo, traduzido num sistemático puxar a brasa à “minha” sardinha, por parte de alguns, quando o princípio cultural determinava e, ainda hoje determina, o entendimento nessa conjugação de esforços que obviamente se impõe, obrigando inteligentemente o centralismo governativo a apostar de forma (quase) igualitária numa distribuição sustentável de investimentos com vista a desenvolver de forma solidária uma região onde o capital privado pouco investe, pois como interior que é, deixa de ser efetivamente atrativo.
A Guarda, felizmente, está a sair aos poucochinhos do letargo em que caiu. E sem qualquer bairrismo doentio ou inveja do património do vizinho, haja vontade e determinação para virar a página e, tal qual os nossos antepassados, deveremos assumir de forma cabal uma intervenção a todos os níveis, liderando este interior, onde tanto gostamos de viver, perpetuando o lema que fez deste contraforte da serra: forte, farta, fria, fiel e formosa.
Este é o verdadeiro desafio. Devemos isso à Guarda.
Por: Albino Bárbara