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Que país…

Editorial

1. As eleições municipais e autonómicas do passado fim-de-semana em Espanha provocaram uma verdadeira hecatombe no bipartidarismo, com o PP a ter 27% dos votos e o PSOE 25%. Esta é a história dos resultados, mas a verdadeira história destas eleições é a disseminação de votos e o “desaparecimento” dos grandes partidos: todos os partidos são pequenos, pequenos especialmente para poderem governar sozinhos. E isto pode ter consequências estranhas ou mesmo nefastas em termos de governabilidade e também do que seriam, seguramente, as mais genuínas intenções e expetativas dos eleitores.

Com estas eleições, Espanha passou a ter um mapa político caótico, em que os partidos “tradicionais” (PP e PSOE) têm 52% dos votos e os outros estão dispersos por novas realidades partidárias e outras opções – muitas! O tempo das maiorias acabou. O novo tempo vai ser exigente em termos de entendimentos, pactos e uniões de conveniência duvidosa e imprevista, especialmente para aqueles eleitores que votaram contra o “status quo”. E mesmo os que porventura acreditam que a desmultiplicação partidária irá pressionar a classe política a portar-se melhor do que no passado, terão dificuldades em aceitar que o “Podemos” possa servir de muleta num governo com o PSOE ou o “Ciudadanos” a sustentar uma quase maioria Popular.

Este caos tem uma origem: o imenso desgaste dos partidos, do sistema partidário. Quem provocou este caos foram os políticos, que, durante anos, dominaram o sistema partidário, utilizaram a seu favor a “coisa pública”, promoveram o regabofe e os interesses da casta. E foram os políticos do PP e do PSOE que tiveram o poder e contribuíram para o desenvolvimento de um Estado clientelar, de nepotismo, suborno, extorsão, peculato ou outras formas de corrupção. E foi contra tudo isto que metade dos espanhóis votou. Contra um Estado dominado por interesses, em que o emprego é assegurado pelo partido e os negócios são feitos no ambiente partidário.

2. Mas, se em Espanha o antigo vice-presidente do governo e ex-diretor do FMI, Rodrigo Rato, foi preso por corrupção; se em diferentes processos foram detidos dirigentes políticos e financeiros por corrupção; se foram detidos e investigados dirigentes partidários por suborno e negócios ilícitos… E como consequência os cidadãos, fartos de tantos escândalos, preferiram aqueles que não estão comprometidos com tanta podridão, o que dizer sobre a vida política portuguesa?

3. Ao contrário de Espanha, onde os eleitores se fartaram de votar “nos mesmos”, nos “partidos do poder” e preferiram escolher os que prometem uma “viragem” e um “novo tempo”, em Portugal, de acordo com os estudos de opinião, os eleitores preferem alhear-se ou votar nos de “sempre”, nos que nos levaram ao precipício ou nos que nos obrigam a padecer o mais humilhante estado de empobrecimento de que há memória. Em Portugal, espantosamente, os mesmos que nos governam há anos, os que sempre comeram à mesa do orçamento, os que andam sempre a rondar as diferentes formas de poder, os que contratam a família e arranjam tachos aos amigos, os mesmos que elevam os companheiros e promovem os da cor, continuam a ser os eleitos. Vota-se por instinto de sobrevivência, por interesse, por opção individual, por casta, por ser da laia… e não por interesse coletivo, por defesa da comunidade. É por isso que, afinal, será pouco relevante eleitoralmente que Sócrates esteja detido por presumível corrupção, que Dias Loureiro seja elogiado depois de ter supostamente ajudado a desaparecer milhões no BPN, que se metam cunhas para dar emprego ao filho de fulano ou que se entreguem contratos à empresa de sicrano… Entre nós tudo seguirá na mesma, com os mesmos. partidos, a mesma forma de fazer política e os mesmos políticos. Os pequenos interesses de alguns serão sempre mais importantes que o interesse de todos.

Luis Baptista-Martins

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