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Mens sana in corpore sano. Será?

Entrementes

No passado domingo o país vestiu-se de vermelho (tempos houve em que tal palavra estava banida e substituída por um bem menos político encarnado) para celebrar mais um título de futebol. Pelos quatro cantos do nosso jardim pululavam milhares de seguidores ataviados com os símbolos da sua “religião”. Ao fim e ao cabo um ritual daquilo a que Desmond Morris chamou de “tribo do futebol” no livro com o mesmo título.

É assim ano após ano. Variam apenas as cores que abarcam também o azul, o verde e até o negro. Saem à rua em grupos não raro informais mas também organizados em torno de uma bandeira, de um hino e de nomes quase sempre com conotações guerreiras.

É isto o futebol. Aquele que é apelidado de desporto-rei e que move multidões e milhões. Arrastam turbas de adeptos, verdadeiros desportistas uns, arruaceiros da pior espécie outros. Estes últimos deram bem prova de que existiam no passado domingo. De Guimarães ao Marquês de Pombal o dia (e a noite) foi deles. Deles e do aparato policial que os acompanhou na tentativa (vã é certo) de lhes controlar os ímpetos.

A coisa nasceu torta logo junto ao Estádio Afonso Henriques onde imagens mostram uma carga policial sobre uma família de quatro pessoas que incluía duas crianças que, provavelmente, terão pedido insistentemente ao pai que os levasse a ver um jogo do seu clube. Não sendo eu juiz nem investigador, e sem possuir quaisquer poderes de adivinhação, apenas posso dizer que vi uns senhores de farda arrear umas boas bastonadas mesmo em quem já estava no chão. Não tendo havido tentativas de agressões (visíveis aos olhos do telespetador), resta apenas a hipótese de ofensas verbais. Mas, por injuriosas que, a existirem, possam ter sido isso explicará a reação daqueles senhores agentes? Não são eles preparados e treinados para manterem o sangue-frio em situações destas? Daqui não saiu muito bem tratado o pai daquelas crianças mas não é menos verdade que a imagem daquela força policial andará agora pelas ruas da amargura. E, se as mazelas daquele lá passarão com uns tratamentos e umas pomadas, as desta hão de seguramente perdurar durante bastante mais tempo…

Poderá ser esta uma visão simplista do ocorrido. Poderá a situação ter a ver com a pressão a que os polícias, como outros funcionários do Estado, estão sujeitos. Poderá ter a ver com a redução de efetivos a que esta, como outras classes, estão a ser sujeitas.

Mais tarde, em pleno centro da capital do império, a coisa foi ainda pior. Centenas, talvez milhares, de pessoas correram à frente de mais uma carga policial que as obrigou a acantonarem-se num canto do recinto preparado para a festa.

Com tudo isto os festejos ficaram em segundo plano. Os media deram mais espaço, mais atenção e maior destaque a esta parte negativa do que à análise do fenómeno desportivo em si mesmo. Isto se ainda considerarmos que a indústria em que o futebol se tornou continua a ser desporto e a fazer jus ao velho ideal de “mens sana in corpore sano”. Ou ficará este lema para outros desportos hoje entendidos como filhos de um deus menor?…

Por: Norberto Gonçalves

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