Nuno de Montemor escrevia em 1953 que «ainda não há como a longa e fiel dedicação de um homem grande, à terra humilde onde nasceu, para a engrandecer e nobilitar. Há dezenas de anos que em Portugal, e até em certos meios cultos do estrangeiro, quando se fala na Guarda, logo por associação de ideias, a este se prende outro – Ladislau Patrício».
Esta referência não vem só a propósito do trabalho sobre este médico que dará o mote ao debate agendado, para hoje (21 de maio) na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço; a alusão ao segundo diretor do Sanatório Sousa Martins significa, pretende, sobretudo, realçar a importância de pessoas com visão, capacidade de liderança, convictas, empenhadas no futuro, comprometidas com a sua terra, cultas, dialogantes, frontais; personalidades que se identificam com a sua cidade numa simbiose que projeta simultaneamente a sua dimensão humana e profissional e enobrece um espaço geográfico e um tempo.
Ladislau Patrício foi um bom exemplo; para quem pensa que evocar o passado, ou recriar acontecimentos, é obsessão inconsequente importa lembrar que «a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado». É certo que para alguns ignorar é preferível a compreender, conhecer, pois pode afetar o seu protagonismo, circunscrito a horizontes limitados; conhecer o passado reduz o confronto e impede a concentração das luzes efémeras da ribalta do quotidiano e ou o brilho em círculos restritos e de conveniência conjuntural…
Ladislau Patrício, tal como Lopo de Carvalho, acreditou na sua cidade, no papel de uma instituição vocacionada para o tratamento da tuberculose; instituição que colocou a Guarda como centro de referência e impulsionou o seu desenvolvimento, a vários níveis; com o seu trabalho neutralizou os argumentos dos atores do descrédito e pessimismo, de que há, infelizmente, muitos resquícios. Mas poderíamos falar também de muitos outros exemplos que Pinharanda Gomes apontou em “A Guarda Culta” a qual «é de certo modo oculta, porque a imediateidade quotidiana nos inibe de viajar para além do visível»… Nesta Guarda de 2015 há muito por ver e alguns querem só ficar pelo visível.
A história da Guarda não se pode fazer sem o conhecimento do papel e da importância que teve o Sanatório Sousa Martins e apagar a sua memória é negar uma identidade e um período e grande relevo.
Na passada segunda-feira, 18 de Maio, ocorreu a passagem do 108º aniversário da inauguração do Sanatório Sousa Martins. A Guarda foi uma das cidades mais procuradas de Portugal; a afluência de milhares de pessoas à cidade deixou inúmeros reflexos na sua vida económica, social e cultural; a sua apologia como localidade «eficaz no tratamento da doença» foi feita por distintas figuras da época, pois era “a montanha mágica” junto à Serra.
Muitas pessoas (provenientes de todo o país e mesmo do estrangeiro) subiam à cidade mais alta de Portugal com o objetivo de usufruírem do clima de montanha, praticando, assim, uma cura livre, não sendo seguidas ou apoiadas em cuidados médicos. As deslocações para zonas propícias à terapêutica “de ares”, e a consequente permanência, contribuíram para o aparecimento de hotéis e pensões, dado não haver, de início, as indispensáveis e adequadas unidades de tratamento; situação que desencadeou fortes preocupações nas entidades oficiais da época.
No primeiro Congresso Português sobre Tuberculose, Lopo de Carvalho (que viria a ser o primeiro diretor do Sanatório Sousa Martins, e pai de outro conceituado clínico) discursou sobre os processos profiláticos usados na Guarda. Este médico foi um dos mais fervorosos defensores da criação do Sanatório (com projeto da autoria de Raul Lino) que seria inaugurado a 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia.
O fluxo de tuberculosos superou, largamente, as previsões, fazendo com que os pavilhões do Sanatório Sousa Martins se tornassem insuficientes perante a procura; o Pavilhão 1 (designado também de Lopo de Carvalho, e onde funciona atualmente a sede e administração da ULS da Guarda) teve de ser aumentado um ano depois, duplicando a sua capacidade. Um novo pavilhão, que se juntou aos três já existentes, foi inaugurado em 31 de Maio de 1953; com este novo edifício – onde funcionam a Medicina Interna, Obstetrícia, Cardiologia e Pediatria – o Sanatório Sousa Martins ganhou maior dimensão, assumindo-se, ainda mais, como uma “povoação” autosuficiente, dentro da própria cidade.
Após o 25 de Abril de 1974, o Sanatório Sousa Martins entrou na fase final da sua existência. Em novembro do ano seguinte aquele Sanatório foi integrado no Hospital Distrital da Guarda; após 68 anos de existência, esta instituição de saúde conclui a sua eminente função social.
Recorde-se que o antigo Sanatório Sousa Martins, na Guarda, foi classificado como conjunto de interesse público, através de portaria da portaria 39/2014, do Secretário de Estado da Cultura; nela é referido que a classificação do antigo Sanatório reflete os critérios relativos ao «carácter matricial do bem, ao génio do respetivo criador, ao seu interesse como testemunho notável de vivências ou factos históricos, ao seu valor estético, técnico e material intrínseco, à sua conceção arquitetónica, urbanística e paisagística, à sua extensão e ao que nela se reflete do ponto de vista de memória coletiva, e às circunstâncias suscetíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem»…
Certo é que os antigos e emblemáticos pavilhões do Sanatório Sousa Martins são hoje elucidativa expressão de ruína e de abandono… É esta imagem que queremos para a Guarda? Porque será que alertar, debater e exigir a salvaguarda de um património ímpar incomoda ainda algumas mentes? E qual tem sido a sua fidelidade à Guarda ou o(s) contributo(s) em prol do presente e futuro da cidade?…
Por: Hélder Sequeira