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Vampiros

Editorial

1. Esta semana, a TVI apresentou uma reportagem sobre o estado da Saúde em Portugal. Durante o mês de março, uma equipa de reportagem visitou, incógnita, vários hospitais do país, entre eles, os da Guarda e Seia. Mas também os de Coimbra ou de Chaves, de Feira ou de Lisboa… e com uma câmara oculta colheram imagens inenarráveis do estado caótico em que muitas vezes se transformam corredores e salas das urgências. É certo que parte das imagens e relatos apresentados coincidiram com a propagação viral da gripe, e com as consequências daí decorrentes, mas, ainda assim, e acreditando que não será sempre assim, ver imagens de serviços de saúde amontoados de doentes, de pessoas a pedir comida porque estão com fome, de pessoas a sofrer sem serem tratadas, de pessoas aparentemente abandonadas umas encostadas às outras, de pessoas a fazer as suas necessidades fisiológicas ali mesmo, de pessoas que não são tratadas como pessoas… porque os serviços ficam entupidos e o sistema não consegue dar resposta, é um choque e uma vergonha para todos.

No caso do Hospital da Guarda, é inacreditável que, 50 milhões de euros e alguns anos depois, continuemos a constatar que padece dos mesmos problemas de sempre: falta de meios! Meios humanos, porque há falta de médicos, não se contratam enfermeiros suficientes, nem tarefeiros; meios materiais, porque apesar do enorme esforço financeiro feito pelo Estado, afinal, o “novo hospital” continua a ser uma miragem que sucumbe perante os velhos hábitos, um planeamento que não resulta e erros de projeto ou de administração que impedem a melhoria das condições de trabalho e capacidade de resposta. E há outra coisa que não mudou: no Sousa Martins os boys continuam a encontrar o caminho para os seus lugares, como sempre e como dantes, alguns até com teatrinhos demorados, pomposamente chamados de “concursos públicos”. Ora, não há dinheiro para arranjar médicos, não há dinheiro para contratar enfermeiros para o quadro, não há dinheiro para contratar tarefeiros, não há dinheiro para tratar civilmente e com humanidade os doentes que ali caiem, mas há dinheiro para pôr os boys nos devidos jobs – com a conivência de muitos e o interesse de poucos, sem justificação nem méritos, apenas a falta de pudor e vergonha na cara (ainda que quando saem à rua sejam olhados de soslaio porque, como cantou Zeca Afonso, toda a gente os conhece e sabe que «eles comem tudo, eles comem tudo, e não deixam nada!», e, entretanto… comem!).

2. A instalação na Guarda da sede da empresa concessionária das águas na Beira Interior, Alto Tejo, Vale do Tejo e Lisboa parece uma mentira de 1 de abril, mas foi comunicada no final do Conselho de Ministros da semana passada. Assim, e apesar dos protestos publicamente assumidos por opositores (autarcas e políticos do litoral), a decisão poderá mesmo ter pernas para andar. E não é tão estapafúrdia como alguns querem fazer crer, desde logo, pela poupança que a reestruturação poderá permitir e porque a coesão territorial exige que sejam reorganizados e descentrados serviços e porquanto se não houver investimento público e serviços públicos a migrarem para o interior do país obviamente que não haverá nenhuma forma de evitar a desertificação, o subdesenvolvimento e a pobreza a que os “territórios de baixa densidade” estão votados. A intenção pode não resultar, mas pode ser um primeiro passo para inverter a tendência: tudo tem que ser centrado em Lisboa; tudo tem que acontecer no Litoral; fecha tudo no Interior. Estão mal habituados no Litoral e muitíssimos mal habituados em Lisboa que sugou tudo o que existia na “paisagem” durante séculos. É bom que se pense o país como um todo!

Luis Baptista-Martins

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