Estreou no Dia dos Namorados um filme que tem batido todos os recordes de assistência. Cinquenta Sombras de Grey pretende ser o Sete Semanas e Meia do século XXI e de certa forma consegue-o: um homem rico e obcecado domina uma mulher e abusa dela; as cenas de nudez e sexo ofuscam a violência, física e psicológica. A diferença é que agora há mais violência e o sado-masoquismo é claramente assumido. Outra diferença é que agora tudo isto é considerado romântico e é convertido numa espécie de preliminar à noite de São Valentim.
O livro, diz quem o leu, é ainda pior. A protagonista é violada várias vezes e é mais evidente o domínio a que se sujeita. Há também quem diga que o filme, esbatendo as piores partes, faz com que seja mais aceitável toda a situação. Como dizia, torna-a até romântica.
Admito que muita gente vá ao engano e que pense ir ver o filme perfeito para o dia dos namorados. Afinal, não foram tantos assim os que leram o livro e a maior parte apenas terá retido das críticas e referências ao filme o seu erotismo. Mesmo assim, surpreende-me não ver praticamente ninguém dar relevo ao essencial: a Grey, mais do que o sexo interessa-lhe a submissão e, para ela, esta submissão é o preço a pagar para o ter a ele. Ao menos a personagem interpretada por Kim Basinger, em Sete Semanas e Meia, conseguia libertar-se.
Tudo isto numa época em que é cada vez mais visível a violência contra as mulheres, em que muitas dezenas são assassinadas todos os anos por maridos e namorados, em que muitos milhares são agredidas, abusadas e submetidas diariamente. Quando a violência doméstica é uma das nossas maiores preocupações, é muito preocupante ver o sucesso de um filme como este. Tal como foi preocupante ver o Manuel “Palito”, depois de assassinar duas mulheres, ter sido recebido com aplausos à porta do tribunal. Talvez não fosse má ideia repensarmos os nossos valores.
Por: António Ferreira