Passos Coelho utiliza com alguma frequência a palavra resiliência. Face à iliteracia e ao nível de analfabetismo funcional prevalentes na população portuguesa, a palavra deve soar a muitos como um estrangeirismo, ao mesmo nível de termos como alavancagem, default ou fringe benefits. Eu continuo a preferir palavras portuguesas que conhecemos há séculos. Mas, já agora dizer ao senhor que resiliência não é nem uma vacina contra o sofrimento, nem um estado adquirido e imutável, mas antes um processo, um caminho de desenvolvimento a percorrer. A resiliência, de que Passos Coelho fala, serve para adoçar o sofrimento que um povo enfrenta, sem ter feito, rigorosamente nada, para o merecer. É que, no mar de tormentas em que nos arriscamos a naufragar, só há dois rumos. De um lado, a continuação da política atual, que nos conduz ao abismo, à miséria, à pobreza, enfim, ao aumento da dívida pública e ao fim da esperança. Uma espécie de sentimento que experimenta um condenado, a cada passo que o aproxima do cadafalso. Do outro lado, a possibilidade de rutura, o reequilíbrio da relação de forças sociais, a reforma das instituições europeias, a refundação da Europa. Como se o condenado tivesse acabado de receber uma comunicação de indulto. As vitórias dos Direitos Humanos e a cultura tecnológica fizeram-nos acreditar numa possível eliminação do sofrimento e, numa melhor organização social. Puro engano!
Ao longo da história da Humanidade, as grandes transformações e conquistas reverteram, em última instância, para os mesmos de sempre. Mas afinal o que é verdadeiramente a austeridade? Bem, ela traduz-se na diminuição de salários e pensões, aumento dos impostos sobre o trabalho, aumento dos custos para os cidadãos das funções sociais do Estado (educação, saúde, justiça,…) e cortes sobretudo na educação e saúde que se refletem na degradação destes serviços. Tudo isto resultando numa baixa de rendimentos da grande maioria da população. Mas se uns (muitos) perdem rendimentos outros (poucos) forçosamente terão que aumentá-los. Por alguma razão os ricos não só aumentaram em número como elevaram as suas fortunas nestes três últimos anos? E porque razão a pobreza em Portugal voltou ao nível de há 10 anos?
A austeridade é isso mesmo – a transferência de rendimentos dos mais pobres para os mais ricos.
Logo a resiliência não entra no léxico de certa classe social!
Uma classe social constituída por banqueiros, gestores e donos de grandes empresas e políticos ministeriáveis, uma minoria que domina económica e financeiramente o país, pretenderá sempre, “custe o que custar”, perpetuar a austeridade porque vê nela um meio de aumentar e expandir a sua fortuna.
É por esta razão que esta elite social jamais abdicará do recurso à austeridade como forma de acumular riqueza. E, com os poderosos meios mediáticos de que dispõe tentará convencer a população sacrificada de que tudo isto é para seu bem, incutindo-lhe medos e receios depois de lhe terem incutido sentimentos de culpa como o propagandeado “viver acima das suas possibilidades”. Tudo não passando afinal, de uma torpe e miserável artimanha e mentira politica. Para calar a revolta o recurso à resiliência como um sonífero.
Por: Jorge Noutel
* Militante do Bloco de Esquerda