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Propaganda, esgotos, máfia e perdão

Crónica Política

Um dos objetivos mais antigos da propaganda consiste na indução de passividade em relação ao exercício da cidadania. Foi assim que nasceram a reverência por reis ou a submissão a autoridades religiosas. Ou as condecorações, títulos e toponímias a gosto. Ou tanta outra coisa. Trata-se, afinal, de características doutrinais dos sistemas de poder, os quais nunca sobreviriam sem a passividade e a aquiescência das massas.

Os sistemas de propaganda mais relevantes da atualidade, na maioria provenientes da gigantesca indústria de relações públicas, foram desenvolvidos há cerca de um século nos países mais livres do mundo. Nessa altura os todo-poderosos perceberam que seria impossível suprir todos os direitos que, para se conseguirem manter no poder, haviam anteriormente concedido aos povos. Assim, só restava controlar-lhes as atitudes e crenças ou direcioná-las noutras direções mais domináveis.

Como referiu o economista Paul Nystrom, o homem que ficou conhecido pela filosofia da futilidade, há que forjar consumidores e criar necessidades para que as pessoas fiquem manietadas, concentrando a atenção humana nas coisas mais superficiais. É por isso que em frente a uma televisão milhões assistem hoje a programas assentes na superficialidade e na banalidade. Os “reality show” apagam os verdadeiros problemas dos cidadãos: pobreza, miséria, fome, falta de emprego, destruição dos serviços de saúde, de educação, da assistência social, etc….

Por isso já não espanta que as televisões nos façam entrar pela casa adentro a romaria à prisão de Évora, ao estilo do melhor jornalismo de esgoto. Daqui para a frente tudo é possível. Só nos faltam os pedidos de autarcas para receberem nas suas comarcas presos de excelsa proveniência. Sim, porque o comércio local, seja ele qual for, só terá a ganhar. Aliás, que outra saída resta a um interior abandonado e definhante?

Mas quando eu pensava que já tinha visto tudo, aprendi esta semana que nunca é tarde para nos surpreendermos. A propósito de todo este circo, enviei a um meu amigo italiano, Giovanni Polese, um daqueles emails de ocasião, com seis fotos de políticos envolvidos em escândalos. Passo a reproduzir a resposta do meu amigo, sem qualquer correção e com total respeito pelos seus esforços para escrever em português:

“AMADORES !!! Nunca vais ganhar contra a Italia em facto de corrupsão e merdas deste tipo. Temos milhares destes chulos. Seria bom tu apanhar a Rai3 e olhar para uma transmissão que se chama “Report”. Eu deixei de olhar para ela. Há uma enormidade de escandalos. Aqui, o teu amigo, na assembleia da repubblica, falou de gajos que tem muitos encargos … na Italia um director dos correios, por exemplo, chega a ter 30 lugares em varios outros sitios. O chefe da policia italiana ganha o dobro do presidente dos Estados Unidos. Os politicos condenados e presos realmente continuam a receber 6000 euros ao mês de ordenado. Um parlamentar tem direito a reforma a vida depois de … um dia de estar no parlamento. Existem casos assim. Na universidade de medicina de Bari, há 12 professores da mesma família. E não é a familia Einstein… No cemiterio de Napoli tu podes pensar ir visitar o teu avó… mas… na realidade, o teu avó foi deitado em quelquer outro sitio e alí há outro gajo. Não há actividade umana que não seja involvida. Um povo assim que politicos pode eleger? A sorte que os portugueses tem com estes 6 chulos… Em teoria na italia doviam ser 36 (o pais é 6 vezes maior)… mas as vezes são 36.000. Deixa estar o Socrates etc.. são gajos boms….Abraço”.

Perante isto, afinal ainda há esperança! A propaganda não nos tirou tudo! Ó Sócrates, volta, estás perdoado! Desde que nunca fales italiano…

Por: Jorge Noutel

* Militante do Bloco de Esquerda

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