Vão desculpar-me se me enganar em algum pormenor, mas sou um simples cidadão português e sinto-me submergido num mar de factos inquietantes e de difícil interpretação. Cresci a acreditar na autoridade e, como todos os miúdos, na infalibilidade dos mais velhos, dos professores, dos governantes. Quando um deles se enganava ou procedia mal, e isso era raro, a forma como o erro era apontado apenas parecia realçar a virtude da imensa maioria. Ou então era assim que me parecia acontecerem as coisas. De qualquer modo, a forma como as pessoas se tratavam mostrava precisamente isso. Era “Senhor Doutor” ou “Senhor Engenheiro” para aqui, “Vossa Excelência” para ali, “Senhora Dona” para além e muitas mesuras e muito respeito.
Depois, não necessariamente por esta ordem, houve um apresentador de televisão, Carlos Cruz, preso, e condenado, por pedofilia. Nesse mesmo processo, foi um alto dirigente do PS, Pedroso (não me lembro do nome) preso pelo mesmo crime, vindo depois a ser ilibado. Houve ainda um antigo deputado do PSD, Duarte Lima, que chegou a chefe do grupo parlamentar, a ser acusado de ter assassinado uma velhinha no Brasil. Um antigo ministro de Cavaco Silva, depois presidente de uma câmara municipal, Isaltino Morais, vem a ser condenado a prisão efectiva por corrupção e branqueamento de capitais. Outro antigo ministro (ou seria secretário de estado?), Oliveira e Costa, está preso, a aguardar julgamento, por diversos crimes cometidos enquanto administrador do BPN. Antes de ser preso, ainda teve tempo para ajudar Cavaco Silva, seu vizinho numa urbanização de luxo no Algarve, a fazer um excelente negócio com acções da SLN (do mesmo grupo do BPN). Houve ainda meia dúzia de presidentes de câmara, de norte a sul do país, a serem julgados e condenados a penas de prisão por corrupção passiva ou peculato. (Não esqueçamos entretanto o caso dos submarinos, em que um tribunal alemão condenou cidadãos alemães por terem corrompido portugueses que não foram condenados, pelos tribunais portugueses, por terem sido corrompidos.)
Já em 2014 precipitaram-se os acontecimentos. Começou a haver notícias, cada vez mais insistentes, sobre o actual primeiro-ministro, Passos Coelho. Teria recebido ajudas de custo em circunstâncias pouco claras e em montantes pouco usuais ao serviço de uma ONG que pouco produziu, e em volumes que nunca justificariam pagar fosse a quem fosse os cinco mil euros mensais que pagava ao Coelho. Este, apesar disso, teria recebido subsídio de exclusividade no mesmo período pelo seu trabalho como deputado na Assembleia na República. Poderia haver aqui, entre outros, um crime de fraude fiscal, mas atento o tempo decorrido nem inquérito vai haver. Ainda mal refeitos, vemos rebentar o escândalo dos vistos “gold” e serem presos vários altos quadros do Estado. Um ministro demite-se, sendo amplamente elogiado por isso, como se o gesto de apresentar a demissão fosse uma suprema e rara forma de honradez. Ainda ofegantes de tanta emoção, vemos agora ser preso José Sócrates: corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal agravada.
Recapitulando tudo isto, pergunto-me se não teria sido preferível chamar a Interpol em lugar da Troika. Qualquer dia, a continuarmos nesta tendência, começa a circular uma piada como esta (adaptada de outras): “Não digam à minha mãe que sou ministro, ela pensa que sou traficante de droga”.
Por: António Ferreira