O Luís e a Joana são ambos funcionários públicos. Ganham bem e têm as graças do partido. Foram subindo na carreira e permitiram-se um dia trocar o T3 por uma vivenda no melhor bairro da cidade. Disseram-lhes no banco que os seus ordenados eram mais do que suficientes para a operação ser aprovada. Não havia nenhum problema com a taxa de esforço e tinham ainda margem para trocar de carro, para um carro da gama alta. Tiveram ambos direito a um cartão dourado, com um plafond de mais de cinco mil euros, e a vários créditos pessoais. Foram de férias a crédito, compraram a crédito uma enciclopédia, um jogo de tapetes e um jacuzzi. Vieram depois uma aparelhagem, mais dois cartões de crédito e o segundo carro.
O casal ia vivendo de acordo com os ciclos eleitorais. Quando o partido ganhava, havia sempre uns destacamentos, ou requisições, para lugares mais bem pagos. Quando perdia regressava a rotina. Depois, com ou contra a política, começaram a chegar os problemas. Os juros subiram. O filho mais velho foi para uma universidade privada, que as notas não davam para melhor. Depois, foi a vez do filho mais novo. Os juros subiram ainda mais, sobretudo nos créditos pessoais e nos cartões de crédito, todos já no limite.
Um dia, ficaram ambos privados de subsídios de férias e de Natal. Até aí tinham contado com esse rendimento extra, primeiro para o supérfluo e, depois, cada vez mais, para o essencial. A partir daí, começaram a chover os telefonemas dos bancos, recordando incumprimentos e pressionando para pagamentos cada vez mais urgentes e menos possíveis. Lembraram-se de vender a vivenda e, engolindo a humilhação, foram a uma agência. As notícias não foram boas: a casa valia menos, nas actuais condições do mercado, do que eles deviam ao banco.
Nessa manhã, o Luís já tinha recebido telefonemas a recordar-lhe que os cartões de crédito e o empréstimo da casa estavam em mora. Prometeu, mas sabia que não iria cumprir todas as obrigações em atraso. Depois de almoço recebeu um telefonema. Se aprovasse um pedido de licenciamento, receberia um suborno de cinco mil euros. Luís não disse que sim, nem disse que não. A caminho de casa, no carro caríssimo de que não conseguia pagar a prestação, Luís pensava nos prós, nos contras e nas alternativas.
Por: António Ferreira