Confesso que desde o primeiro anúncio de que o Ébola estava, de novo, ativo nalguns países africanos fiquei com a mesma preocupação que tenho, diariamente, com o nascer do sol. Lamento, como é óbvio, as vítimas. Achei, no entanto, de uma irresponsabilidade gritante a repatriação de indivíduos, com a perigosa doença, para o dito, primeiro mundo, para aí serem tratados. Achei que a receita para o desastre estava passada e, segundo a lei de Murphy, se algo de mal tiver que acontecer, vai acabar por acontecer. Espanha e EUA tomaram a dianteira e o primeiro caso de contaminação por um repatriado aconteceu no primeiro país.
Mas o que estará por detrás desta óbvia decisão irresponsável? E porque não se tomaram medidas imediatas e firmes a nível dos aeroportos? Por que tardam decisões de fundo que podem evitar a propagação global?
Conto-vos a história recente de um amigo. Visitou Moçambique. Contraiu uma doença, ao tempo, indeterminada. Mediram-lhe a temperatura antes do embarque, em Maputo, e já tinha febre, mas seguiu viagem. Chegou à Portela e nem um termómetro. Meteu-se num táxi, preocupado, como é óbvio, e dirigiu-se ao hospital. Fizeram-lhe a triagem. Reforçou de onde vinha, mas não quiseram saber. Foi, finalmente, atendido por uma médica que o cumprimentou e, após ter sabido que vinha de África, lá colocou a máscara de proteção. Fez o teste de despistagem do Ébola e, para alívio de todos, deu negativo. A médica retirou a máscara e mandou-o embora. Afinal andamos a fazer de conta que combatemos um vírus mortífero. Lembram-se da paranoia com a gripe A? Até tivemos direito a diretos na Guarda com um “infeliz” contaminado à porta do Sousa Martins. Recordemos que uma das medidas de contenção passava por medições da temperatura corporal em TODOS os aeroportos, onde os passageiros tinham ainda que passar o calçado por uma solução desinfetante. Foi a era gloriosa dos dispensadores de desinfetante em todos os edifícios públicos e das versões portáteis individuais. Soubemos, mais tarde, que tudo não terá passado de um golpe de marketing das farmacêuticas que lhes permitiu faturar “ziliões” de dólares em vacinas. Morreu, na altura, uma quantidade insignificante de gente em comparação com a gripe vulgar.
Considerando o “status quo”, parece-me que, relativamente a situações passadas (em que centenas de pobres africanos morriam com Ébola, mas não valiam o investimento numa vacina nem a espera enorme pelo retorno), a propagação da doença, no primeiro mundo, promete, com financiamentos estatais na pesquisa duma vacina e a possibilidade de distribuição massiva ao estilo gripe A. Mas como fazê-lo? Só tinham que importar a doença e negligenciar muito, de modo que esta pudesse alastrar o suficiente – o que fizeram. Mas com o que não contaram foi com a baixa virulência nos estádios iniciais e anónimos da doença, o que, na prática, torna a transmissão, num país informado, mais difícil. De qualquer das formas isso não desculpa o negligente atraso inicial na resposta e torna, agora, absurdas algumas medidas que estão a ser implementadas, como por exemplo, quarentenas forçadas de indivíduos negativos para o Ébola nalguns estados americanos. Mas desses governos só podemos esperar paranoia e estupidez. Entretanto, por cá, temos um surto preocupante de Legionella em Xira que já provocou tantos mortos quantos os de Ébola fora de África.
Por: José Carlos Lopes