Conheci o Álvaro Beleza em 1987 com a formação da Associação Nacional dos Jovens Médicos. Conheci-lhe a vertente dos sonhos enormes, da insistência e da determinação que cimentam o percurso de quem tem ideias para o futuro. Tinha uma visão antecipada, a capacidade de perceber a história com o livro a meio. O Álvaro Beleza que conheci provocava algumas invejas e criava paixões. Como todos os que causam turbulência, ele foi sendo tratado por muitos de modo camuflado. Os fazedores de imagens gostavam de lhe colar alguns epítetos que ele no seu percurso fora da política foi derrubando, foi executando. O Dr. Beleza é mais de fazer e de decidir do que de andar a percorrer corredores e a burilar intriga palaciana.
Álvaro Beleza, o jovem médico, combateu a prepotência de Leonor Beleza enquanto ministra. Mostrou determinação enquanto “imunohemoterapeuta” na direção do Instituto de Sangue e foi um executor claro de uma estratégia para a saúde na direção de António José Seguro onde desempenha o cargo visível de coordenador da área da saúde. Vi-o na CNN, em 1990, quando fomos até Praga saudar as revoluções emergentes no Leste. Fomos silenciados aqui. Os americanos registaram o facto. Pouco antes caíra o muro de Berlim e ninguém acreditaria na integração europeia de países deste bloco Leste. Também ninguém falava da reunificação alemã. Nós fomos lá com o Campelo, a Helena André, o Barros Vale, o José Pedro Aguiar Branco, entre outros, testemunhar a revolução e perceber a dimensão da mudança.
O Álvaro projetou a ideia da ida à Checoslováquia e o Álvaro chamou todos à presença histórica. Muitos deles tiveram depois destacados cargos políticos em Portugal mas a relação (como no fim das bandas rock) entre todos, não se mostrou escolar ou agregada. Eu entrei para o PS com o Álvaro Beleza, numa estrutura de amigos que fascinavam com livros e digladiavam conceitos. Um certo espírito de tertúlia que obviamente não é bom para a concretização de objetivos partidários, mas que constrói pilares para um Álvaro Beleza mais assertivo, mais fundamentado. Foi nessa altura que lhe ouvi falar de sistemas eleitorais. Ele queria primárias e ele preferia círculos uninominais. E queríamos velocidade ponderada na justiça. E queríamos estética nas decisões urbanísticas. Queríamos justiça social verificada e apoio com formação. Queríamos imaginação na definição de novas fronteiras para um Estado doente.
Falámos com sucesso jornalístico das tartarugas ninja na política. Trouxemos Bobbio, Baudrillard, Rosset, Rawls, Popper, entre muitos outros, para o cenário da discussão. Esta característica de tecer argumentos com os amigos, respeitar as suas divergências, não cobrar favores nem exigir excessivas solidariedades é “má conselheira” nos partidos, mas é excelente na construção de uma personalidade. Depois veio o cancro. O Álvaro enfrentou com estoicidade toda a panóplia de decisões e de programações que a doença e a sua estratégia moderna obrigam. Não é fácil ter um cancro e ter de esperar reuniões e decisões. Não é fácil enfrentar “o maligno” dentro de nós. Vi-o a correr, vi-o a preparar-se para o combate e percebi que o homem engrandecera. O meu amigo não titubeou, não se vergou à magnitude do drama e, sem teatro, sem medo, pegou o toiro com meia praça. Um embate feroz, um aprender duríssimo e uma coragem inabalável. O cancro teve a ajuda do Vicente, o filho que nasceu quase na mesma altura e que o fez um pai preocupado.
Assim temos que este companheiro de jornada de António José Seguro está preparado para a política. Está forjado em ideias, vivências e conhecimentos. António José Seguro tinha um aparelho discutível, que recebeu da história, onde ponteiam diversas colunas flácidas, diversos “cabotinos” capazes de tudo para ganhar, e muitos que são o futuro do Portugal socialista. Mas esta realidade é transversal a António Costa. Muitos homens “de Sócrates” lá estão a arregimentar e a confundir a batalha. Não podemos confundir as tropas com as lideranças, não podemos imputar aos chefes os defeitos dos soldados, mas podemos exigir que, em boa moral, definam desde cedo com quem querem partilhar a vitória. Para mim, o Álvaro Beleza representa um novo rumo objetivo para o PS, o amigo coeso, o que não abandona para negociar etapas e não é mais uma “realidade elaborada”. O Álvaro Beleza é uma janela de oportunidade para António Costa construir uma alternativa que não seja o regresso de 2007. O povo castigará violentamente um PS de regresso à proposta de 2011, quando surgiu Passos Coelho derrotando os socialistas de modo histórico.
Por: Diogo Cabrita