O ministro que herdou o programa Polis chamou-lhe «elefante branco» e «construção Kafkiana». Pouco dado a falas brandas, Amílcar Theias disse que há atrasos nos projectos porque se fizeram «previsões erradas», que quase nada do que foi traçado irá resultar numa efectiva reabilitação urbana e que os planos pouco ou nenhum impacto terão no desenvolvimento das cidades ou na criação de empregos. Não é a oposição a acusar – é o Governo a descartar-se. O ministro das Cidades deu como obséquio fatal o pagamento da dívida do Estado às sociedades Polis por trabalhos feitos no ano passado e não se comprometeu com mais. E agora? Agora o programa continua a fazer sentido desde que «devidamente adaptado, no âmbito de uma estratégia». Isto quer dizer, em português básico, que o Polis acabou: o que está feito, está feito; o que está começado, acaba-se; o que está para começar ou em projecto repousará na perpétua espera da estratégia. Há-de haver cidades que terão sabido aproveitar a graça enquanto ela durou. Provavelmente porque as câmaras tinham equipas dedicadas a delinear projectos de longo prazo para efectivo benefício público – nem que ficassem na gaveta – e, na hora em que o Estado soltou a benesse, ganharam na execução o tempo que outras perderam na concepção. Nestas outras conta-se, infelizmente, a Guarda. Em tempo de vacas gordas o Governo ofereceu quinze milhões de contos de bandeja à Câmara, desde que tivesse onde gastá-los. Como não havia nada verdadeiramente estratégico pensado (há anos que os planos primam pela mediania), apressaram-se umas quantas cabeças a imaginar a «cidade reabilitada». Pensaram na recuperação da zona histórica e no ordenamento de zonas desprezadas na periferia. Mas eram obras de pouco arrojo. O grosso da despesa inscreveram-no num túnel rodoviário debaixo da Praça Velha, num transporte público em mono-carril entre a estação e o centro e num enorme «parque urbano» nos atoleiros do Rio Diz. Para trás ficaram as preocupações do trânsito, dos acessos à cidade, do estacionamento, da valorização das centralidades tradicionais, dos equipamentos públicos à medida das genuínas necessidades, das infra-estruturas para a cultura, para o lazer e para o desporto. A «nova» Guarda não podia compadecer-se com uma visão tão simplista. E nesta voragem estoirou-se tempo e dinheiro. Para se concluir, ao cabo de estudos profundos (como se o bom senso não pudesse ter abreviado a conclusão), que o túnel teria sido o primeiro disparate e o mono-carril o segundo. Sobreviveu o parque do Rio Diz. Por conta desta ficção pagaram-se expropriações milionárias, arriscaram-se esquemas de “consultadoria informal” para superar resistências do dono da maior parte dos terrenos, construíram-se blocos habitacionais para realojamento de pequenos proprietários rurais que provavelmente não chegarão a sair das velhas casas. Tudo isto em nome de um pretenso espaço de interesse público que iria dos Galegos à encosta da feira, Rio Diz acima, e que incluiria zonas verdes, museus, esplanadas, espelhos de água, jardins temáticos, parques de recreio, bares, pavilhões e o que mais se arquitectasse. Um prometido «cartão de visita» da cidade. E o que temos, a 145 dias do fim da contagem decrescente? Praticamente nada. Chamar «reabilitação» às obras mal acabadas na avenida e no largo da estação é fazer pouco das pessoas. No centro histórico, a iluminação cénica apenas disfarça a lástima no interior da muralha. As obras na Praça Velha foram anunciadas para Setembro, Novembro e Janeiro – para nunca mais. Só os bombeiros têm um quartel novo, absolutamente merecido. Na troca cederam o terreno na encosta Norte da cidade, no pressuposto de ser construído um restaurante panorâmico que encimará o tratamento que está a ser feito nas margens da avenida. Mais? Só aquela originalidade – assombrosa enquanto obra de engenharia – que é o «pavilhão semi-coberto» de lona, numa cidade com este clima. No Inverno enregela; no Verão há-de torrar. É o tributo do Programa Polis à movida académica da Guarda. Servirá exclusivamente para as festas no ameno de Maio e Setembro. Com a vantagem de estar longe, nas hortas, nas traseiras das fábricas, com estacionamento à farta e sem vizinhança que se incomode. Eis o que fica da «grandiosa» missão do Parque Urbano do Rio Diz: uma tenda perdida num brejo. Como um elefante à deriva. Branco – da cor do toldo.
Por: Rui Isidro