1. Compreendo a excitação à volta do “fim do silêncio” de Sócrates. A entrevista foi um regresso ao passado, o homem está na mesma, a mesma brutalidade, a mesma má-criação, a mesma “narrativa” (estava tudo a correr sobre rodas até a oposição, por motivações mesquinhas, chumbar o PEC IV e nos atirar para os braços da troika), a mesma manipulação descarada dos números (o José Gomes Ferreira explicou bem, por exemplo, os relativos à dívida pública), enfim, nem vale a pena perder muito tempo a analisar as palavras do homem agora que ele decidiu “tomar a palavra”. O que me espanta é os dons que os comentadores insistem em atribuir-lhe. Ele é carisma, ele é dotes comunicacionais, ele é “star quality”, ele é capacidade e inteligência política, etc. Um exagero. Especula-se sobre os efeitos “Sócrates” no país, no governo, no PS e no diabo a quatro. Nunca vi um político tão sobrestimado. Sócrates é um homem completamente superficial e não tem nem nunca teve uma ideia que fosse digna de registo. Ou muito me engano ou a audiência dos seus programas na RTP vai ser fiasco – tirando talvez a fase inicial. Sócrates não vai agitar coisa nenhuma, a agitação só existe na cabeça de jornalistas, comentadores e políticos.
2. À partida, devia, na minha condição de funcionário público, congratular-me com o recente acórdão do Tribunal Constitucional (TC) – um subsídio de férias dá sempre jeito. Mas não me congratulo. Pelo contrário: considero a decisão completamente disparatada e irresponsável. O TC abriu uma caixa de Pandora e estas, uma vez abertas, não voltam a fechar. Desgraçadamente, nem a austeridade termina por decreto, nem a Constituição e o TC produzem riqueza e, por consequência, as medidas alternativas que entretanto se arranjarem não se me afiguram melhores para ninguém, a começar pelos funcionários públicos. Primeiro, o governo pode agora, legitimamente, despedir milhares e milhares de funcionários, alegando que esta é a única maneira de baixar a massa salarial – devemos ser o único país da Europa onde é inconstitucional baixar de forma estruturada os salários na função pública. Uma empresa, em dificuldades, quando confronta os trabalhadores com as opções de baixar salários a todos ou proceder a despedimentos, quase sempre a larga maioria prefere descidas de salários, como se compreende. Segundo, ao abandonar o argumento da proporcionalidade e ao obrigar à “igualdade” na distribuição de sacrifícios, o TC abriu, inadvertidamente, a porta a que a função pública se passe a reger pelo código de trabalho do sector privado e, se tal acontecer, quero ver com que fundamentação os meritíssimos juízes descalçam essa bota. Os funcionários públicos, se pensarem bem, não têm motivos nenhuns para se alegrarem com este acórdão.
Por: José Carlos Alexandre