No fim do texto de há duas semanas, a direcção do jornal decidiu fazer queixinhas aos leitores, denunciando o autor desta coluna como um ser invertebrado que insiste na utilização da “antiga ortografia”.
Eu resisto em nome dos ossos injustiçados da História de Portugal. Quantas reguadas terão sido aplicadas por falta de um acento ou de um hífen, hoje retirados por um tratado assinado entre todos os países de língua portuguesa e adoptado por Portugal com excepção de todos os outros? Este Governo, que perfilhou o Acordo Ortográfico de 1990, tornou-o oficial nos organismos públicos, no sistema de ensino e, ao que parece, nas escolas secundárias também, onde os adolescentes há muito fizeram desaparecer letras das suas mensagens por via electrónica.
A verdade é que passar a utilizar agora qualquer coisa acordada em 1990 mostra como Portugal está recorrentemente duas décadas atrasado. Também os sintagmas, que Chomsky desenvolveu na década de 1960, só foram ensinados à minha geração na década de 1980. Talvez por isso muita cabeça pensante partilhe a divertida ideia que o criador da gramática generativa tem uma explicação para o capitalismo degenerado.
Confesso também algumas dificuldades na aplicação do AO90. Não consigo distinguir ação de a Ção (como na frase “eu vi a Ção em ação”) e confundo uma pessoa que vê televisão com um assador de frangos, ambos espetadores. Nas piscinas espera-se encontrar mais boias do que poias. E se a troika deixar, o meu desejo para o que 2013 é que a recessão não me entre pela receção. Uma coisa é uma consoante muda, outra coisa é mudar consoante apetece.
Não pretendo ser insultuoso ao sugerir que o Acordo foi feito com os pés, até porque Portugal se distingue em momentos de qualidade feitos com os pés, como por Olga Roriz ou Cristiano Ronaldo. Mas cabendo o AO90 na categoria de realizações efectuadas com os membros inferiores, por rigor linguístico talvez fosse melhor chamar-lhe Acordo Ortopédico.
Por: Nuno Amaral Jerónimo