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«Estamos numa fase do salve-se quem puder»

Entrevista a Fernando Lopes

Retirado da política, o veterano socialista, que jogava à bisca no sótão de António Guterres, com Jorge Sampaio, Vítor Constâncio e outros membros do “ex-secretariado” conspirando contra Mário Soares, é um otimista e acredita que os portugueses saberão ultrapassar a crise de forma positiva. O antigo Governador Civil da Guarda, Fernando Lopes, recorda que «depois da opulência da época do ouro, até a independência perdemos e só a recuperámos em 1640». Olhando para o presente, assume que o PS tem responsabilidades no estado atual do país e confia em Seguro para liderar o partido e o Governo. LBM/LM

P – Como é que Portugal chegou a este ponto?

R – Um bocado ao arrepio do que é politicamente correto dizer-se, penso que, com o 25 de Abril, os portugueses se embriagaram um pouco e pensámos que tudo seria fácil, passando a viver, quer em termos coletivos como individuais, acima das nossas posses. Portugal transformou-se realmente pela positiva, é estupendo ir de Trancoso à Guarda por auto-estrada, mas é caro. Ora nós tínhamos que pagar isto e não produzimos riqueza, que temos que gerar agora. De qualquer forma permanecem ainda desigualdades que pretenderam ser combatidas com o 25 de Abril e não foram.

P – Acha que a sociedade está melhor, mais igualitária, ou, pelo contrário, que há mais diferenças entre pobres e ricos?

R – Há mais diferenças, embora os pobres tenham hoje mais proteção que antes do 25 de Abril nem pensar. Por exemplo, em Trancoso, à sexta-feira andavam os pobres a pedir esmola e restos de pão de porta em porta que depois iam vender pelas povoações e havia quem comprasse. Isto não foi assim há muitos anos, era assim há 40 ou 50 anos, Portugal era isso. Acredito que ainda poderemos encontrar o caminho certo, mas também acho que não é com este Governo. São rapazes muito voluntariosos, um bocado autistas, não ouvem ninguém, mas o povo português há-de ter o bom senso de escolher melhor.

P – Há quem responsabilize o anterior Governo, e em particular José Sócrates, pela situação que o país está a viver. Aceita essa ideia?

R – Aceito que, realmente, o PS foi na onda de dar tudo com alguma facilidade – não tanto como este Governo pretende fazer crer. Andámos depressa de mais no progresso, pois partimos do quase zero para muito e não tínhamos base para isso e a Europa não está lá para nos dar tudo o que queremos.

P – Na sua opinião, até que ponto a Constituição tem que ser salvaguardada e este Governo estará a desvirtuá-la com as medidas que está a tomar? Confia que o Tribunal Constitucional ou os portugueses em eleições atuarão em conformidade?

R – Mal de nós quando não respeitamos a Constituição, mas os portugueses saberão dar a resposta devida na altura própria. Aliás, tenho mais confiança nos portugueses e desejo que assim seja porque não podemos arvorar os juízes conselheiros em donos da democracia. Tem que ser o povo português a fazer justiça pelas próprias mãos, nas urnas, não é com violência. Isso não se justifica em democracia, cuja arma é o voto. É preciso é um povo esclarecido que não se deixe influenciar tanto por campanhas e promessas que depois não são cumpridas.

P – O que acha da desilusão dos portugueses em relação aos políticos e à política?

R – Acho que não têm razão. Isso é perigoso porque está subjacente a essa mensagem um certo populismo, porque desacreditar os políticos, por mais razões que haja, é sempre perigoso.

P – Mas concordará com a afirmação de que houve um nivelar por baixo das novas gerações de políticos, que se perdeu alguma qualidade dos protagonistas?

R – Não concordo muito com essa ideia, pois considero que há é massificação da política. Antigamente, nos primeiros tempos da democracia, conhecíamos meia dúzia de políticos, como Mário Soares, Sá Carneiro ou Álvaro Cunhal, hoje felizmente a democracia é feita por muita gente. Portanto, acho que houve um enriquecimento da política. Quem é que tínhamos no distrito da Guarda? Era João Gomes, Mário Canotilho e pouco mais. Eles eram as figuras, o que diziam era lei no distrito. Atualmente há um leque de opiniões diversificadas, o que é também um retrato da sociedade de hoje.

P – Olhando para a região, acha que o país político falhou na forma como administrou o território, que é atualmente um Portugal cada vez mais “tombado” para o mar estando o interior cada vez mais abandonado?

R – Quando fui Governador Civil dizia muitas vezes que as gentes do interior não são melhores nem piores do que quem vive à beira mar, somos é menos e cada vez menos. Nessa circunstância, é extremamente difícil levar os políticos a investir mais no interior do que no litoral, onde realmente estão pessoas. Tem que haver políticas e incentivos para que as pessoas se espalhem harmoniosamente pelo país todo, mas não sejamos ingénuos, pois os políticos precisam de votos para estar no poder e os votos estão nos grandes centros.

P – Mas sente alguma desilusão em relação à forma como esta região foi sendo esvaziada…

R – Não senti isso enquanto fui Governador Civil, mas também tive o privilégio de lidar com todos os ministros de igual para igual e com um primeiro-ministro que foi, talvez, aquele que olhou para o interior com mais ambição e adotou algumas medidas importantes, como os benefícios fiscais e a construção de autoestradas. Aliás, ainda hoje me custa entender a extinção dos Governos Civis, que acho que fazem falta no distrito. Não havendo regionalização eram um elo importante do distrito com o poder central e penso que foi uma medida demagógica acabar com eles, pois não era por aí que o défice crescia. E eram cargos políticos que nem eram dos mais desprestigiados. Aproveito para contar uma história que tem a sua graça, pois o meu colega de Aveiro fez uma sondagem no auge da popularidade de Guterres que concluía que os Governadores Civis tinham mais popularidade que o primeiro-ministro. O problema é que os inquiridos respondiam não saber o que faziam os Governadores Civis, isto tem a sua graça.

P – Fernando Lopes pertencia ao grupo do “sótão do Guterres”, onde congeminavam os seus esquemas contra a liderança de Mário Soares. Qual era o objetivo?

R – Era a luta do “ex-Secretariado”. Tivemos momentos altos, como o Coimbra 1 e o Coimbra 2. Recordo-me que, em Coimbra, tivemos uma reunião do chamado “ex-Secretariado”, liderado por António Guterres e também por Jorge Sampaio, que depois se zangaram. Integravam esse grupo o Carlos Candal, de Aveiro – que foi meu colega no Orfeão de Coimbra –, o Vítor Constâncio, o Zenha, entre outros. Na região, era eu e também o Santinho Pacheco. Na altura era Mário Soares e mais ninguém e nós éramos uma espécie de prevaricadores contra um certo soarismo que se estava a instalar no PS – nunca fomos contra Mário Soares – e que pretendia uma modernização do partido cujo rosto era o António Guterres, que era um homem inteligente e sensível. Enfim, bons tempos…

P – E atualmente como vê o estado PS?

R – O PS tem muita solução, felizmente. O António José Seguro é o homem que luta há muitos anos por isto, merece estar onde está porque a vida dele é esta desde a Juventude Socialista.

P – Que comentário faz ao facto dos atuais líderes de PS e PSD serem antigos presidentes das respetivas juventudes partidárias. Acha que é positivo ou negativo?

R – As duas coisas. É positivo porque eles sabem o que estão a fazer e é negativo porque trabalham um bocado para o aparelho partidário. Devo dizer que António José Seguro chegou onde chegou com facilidade precisamente por conhecer o aparelho socialista muito bem, como outros não conheciam. Mas, na minha opinião, o PS está bem entregue. Foi com alívio que vi que António Costa não concorre a secretário-geral porque, para já, é o presidente da Câmara de Lisboa e poderá ser futuramente o Presidente da República, não vejo outra coisa para o António Costa. Isto porque estou convencido que António José Seguro vai chegar a primeiro-ministro…

P – Mas não gostaria de ver António Guterres na Presidência da República?

R – Se ele aceitasse, isso era o ideal. Era um Presidente da República fora do comum, extraterrestre. Estou certo que o PS em peso o apoiaria, mas não, era bom demais para ser verdade. Isso não era uma eleição, seria um plebiscito.

P – E no distrito, como vê os últimos anos do PS?

R – O PS resistiu a todos os contratempos que teve – e teve alguns – e instalou-se. O PSD instalou-se em Trancoso e o PS na Guarda, embora com alguns defeitos mas também com muito mérito, e vai continuar. Com as lições que está a dar o PSD, ao não ser capaz de escolher o seu candidato, como é que o concelho da Guarda há-de escolher um deles para responsável número um? Não é assim que ganham a confiança dos eleitores. Em Trancoso, estou confiante que um dia chegaremos à Câmara.

P – Como avalia a gestão de José Albano Marques, que já vai no terceiro mandato na Federação do PS? Acha que tem sido um bom líder?

R – Penso que sim. O partido está pacificado, não assistimos a lutas intestinas – no mau sentido, porque no bom é bom que as hajam. Eu próprio tive as minhas lutas, pois nunca me conformei com uma maioria de conveniência. O Zé Albano tem tido uma gestão cuidada, sóbria e eficiente.

P – Em termos da sociedade portuguesa, é otimista em relação ao futuro?

R – Sou. Estamos numa fase do salve-se quem puder. Concordo que começa a haver algum medo aqui e além porque não é muito fácil, os níveis de desemprego são dramáticos e assustadores. Mas a receita de António José Seguro há-de ser aplicada um dia, quanto mais tarde pior e maior será a fatura que vamos pagar. Já tivemos na vida portuguesa outras fases similares, houve grandes períodos de crescimento e de opulência a que se seguiram outros difíceis, é isso que estamos a viver.

P – E o facto dos jovens estarem de novo a emigrar de forma massiva? Isto não o deixa preocupado pelo facto de serem das gerações mais bem preparadas?

R – Tudo isso será passageiro, penso eu. À medida que o conceito de Europa se desenvolve já não podemos dizer que um português que vai para qualquer país europeu é um emigrante como antigamente, está melhor preparado e está em condições de lutar por bons empregos. Essa é a grande mudança.

P – Está confiante que esses jovens vão regressar a Portugal para ajudar o país a desenvolver-se?

R – Acredito que sim, desde que lhes criemos condições para isso. Mas os jovens também têm que lutar por isso, não podem criticar só os políticos e nada fazerem para que as coisas aconteçam também para eles.

P – Comparativamente com o seu tempo de político ativo, acha que estamos melhor ou pior servidos de protagonistas do que antes? Acha que esta região tem lideranças políticas para pensar o futuro em termos de região?

R – Não haverá ninguém a salientar-se tanto como nessa altura, mas há gente capaz e há líderes na região. Não vou dizer nomes, pois são tantos que cometeria a injustiça de esquecer algum, mas temos “generais” e “soldados” para lutar pela nossa região.

P – Há alguma mensagem que queira deixar para as pessoas da região?

R – Quero dizer, principalmente aos jovens, que acreditem nas nossas potencialidades e capacidades e que todas as crises são passageiras desde que lutemos para que elas passem o mais depressa possível. E se for preciso mudamos de dirigentes, por meios democráticos. Às vezes a democracia desilude-nos um bocado, mas, pelo menos em Portugal outros regimes não resultaram.

«Estamos numa fase do salve-se quem puder»

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