O carro azul e a morena da porta 15 na rua 21. Espinho ao entardecer, todos os dias, ela na porta, um ar comprometido, algum pecado, um negócio obscuro, um carro aqui, um velho ali, um tipo feio às vezes, uma motoreta também. A morena é bonita, magra, com roupas justas e coloridas. Discretos, no que é possível ser discreto quando as janelas do 16, 18, 22, 25, se agitam ao entardecer. Incrédulas espiam. Devassam o negócio. Passa um carro amarelo todos os dias. Um homem olha. Segue para o emprego. Fita-a nos olhos e abranda. Nunca parou. Olha sempre e abranda como quotidiano. Um solitário, sem abraços à espera, sem cão, sem aquário, apenas uma transmissão, um jogo, um filme. Às vezes lê. Ela ao entardecer, ele no carro amarelo. Nº15, rua 21, Espinho, um carro amarelo a caminho da rua 54, loja na esquina com a 31. Não pensa nela, mas olhará no regresso e viu-lhe o sorriso na ida. Um dia de chuva não estava e o dia ferveu. Um acaso e um talismã podem confundir-se. O carro aproxima-se da rua 21, altercação, alguém se agiganta, as janelas do 16, 18, 22, 25 têm pessoas que esbracejam. O carro amarelo para. Nunca parou antes. A morena do 15 entra no carro ao seu sinal. Conhecem-se faz anos, ela na rua ele a passar. As perguntas estão por fazer. A curiosidade está por arrumar. Olharam-se dezenas de vezes. Arranca deixando a deselegância em “fade out”.
Por: Diogo Cabrita