Desejo felicidades à cidade da Guarda pelo seu aniversário. Com muito gosto ofereço um “cover” que escrevi da letra da música de Sérgio Godinho, “O charlatão”:
Numa cidade de boa fama fazem negócio os charlatões vendem bifanas de lama e cerveja a uns tostões e enriquecem os charlatões.
No hospital mal-afamado a mulher chama o marido dá-lhe um tacho bem jeitoso e no fim é despedido.
E é entrar senhorias a ver o que cá se lavra sete morcelas uns enchidos uma cabra abracadabra.
Na cultura de boa fama o xerife vive à larga monopoliza toda a semana a cultura da cidade com rezas doces paga amarga.
No instituto mal fadado os catraios passam fome têm os dentes enterrados no pão que ninguém mais come sem bolsas com propinas… Os catraios passam fome.
E é entrar senhorias a ver o que cá se lavra sete morcelas uns enchidos uma cabra abracadabra.
Na assembleia dos defuntos charlatões e charlatonas discutem dos seus assuntos repartem-se em quatro zonas instalados em poltronas.
Nas ruas históricas vê-se o abandono entra o frio nos buracos dorme gente nas soleiras de casas feitas em trapos em troca de alguns patacos.
E é entrar senhorias a ver o que cá se lavra sete morcelas uns enchidos uma cabra abracadabra.
Entre a cidade e o país vai o passo de um anão vai o presidente que a maioria quis e nunca o tiro de um canhão e assim enriquecem os charlatões…
Quando cheguei à Guarda ensinaram-me um proverbio popular local, “quem à Guarda veio parar ou veio enganado, ou veio enganar”. Apesar de não gostar da mensagem que o proverbio transmite, fui, com o passar do tempo, percebendo que o mesmo era assertivo e… não demorei a perceber que eu fazia parte dos enganados. À Guarda vim parar por promessas de um curso superior promissor que, no final, revelou uma empregabilidade residual e/ou precária. Outros vieram enganar… Percebi e compreendi a razão de um movimento estudantil atrofiado e vendido às festas e apoios para as mesmas. Compreendi as razões dos atrasos estruturais de uma cidade que quer desenvolvimento, mas é enganada… Compreendi que as instituições enganam, para serem enganadas…
Compreendi que se fazem fortunas e se lançam no empreendedorismo uns tais que, quando chegaram, a única coisa que tinham era um bolso vazio, por onde caiam as moedinhas da mesada… Compreendi que os charlatões são apátridas… Compreendi quão fácil é enganar… Nem os oitocentos e doze anos nos fizeram crescer… Que mais nos faltará? Um provérbio que, teimosamente, continua a perpetuar-se no tempo… Triste fado este.
Nuno Leocádio
* Deputado na Assembleia Municipal da Guarda eleito pelo Bloco de Esquerda