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A Reforma do Poder Local III

Razão e Região

No passado dia três de Outubro ocorreu uma reunião extraordinária da Assembleia Municipal da Guarda, convocada para discutir e votar, sobretudo, a reorganização administrativa territorial autárquica e o plano de apoio à economia local (PAEL). Sendo certo que a candidatura da Câmara ao apoio financeiro disponibilizado pelo governo era um assunto de enorme importância para a dinamização da economia local, em particular num período de grande contenção como aquele que estamos a viver, também é certo que a reorganização administrativa assumiu um relevo político enorme, como, de resto, era expectável. E não só porque convocou inúmeras presenças, mas também porque deu azo a um longo debate político. Não quero pronunciar-me sobre os conteúdos do debate, devido às funções que desempenho. Mas quero dizer que este foi um processo muito exigente, ainda que desenvolvido nos estritos termos da lei, sem outras ambições que não fosse a de minimizar os seus efeitos eventualmente negativos. Até porque as posições sobre a lei eram muito diferenciadas, sendo inúmeros aqueles que aceitaram cumpri-la em homenagem ao Estado de Direito em que vivemos e à legitimidade da Assembleia da República para legislar em nome do Povo. A verdade é que, apesar de alguma agitação que se verificou no seio da sensibilidade política afecta ao actual governo, que propôs e aprovou a referida Lei, e que se deveu ao facto de o processo de agregação ter tocado uma importante freguesia urbana, o processo decorreu com grande compostura e elevação cívica e política. No meu entendimento, isto deveu-se ao facto de a Comissão que preparou o processo (COTRAL) ter adoptado critérios adequados, justos e racionais. Quais foram, então, esses critérios e por que razão induziram um tão eficaz consenso entre os membros da Comissão? Vejamos. Em primeiro lugar, o facto de a reforma ser obrigatória, nos termos da Lei da Assembleia da República, sendo certo que ela, em qualquer caso, seria executada por uma unidade técnica a funcionar na AR; em segundo lugar, o facto de a reforma ser conduzida apenas por aplicação estrita das explícitas exigências de agregação consignadas na Lei, e ouvindo sempre os órgãos representativos das freguesias envolvidas; em terceiro lugar, e apesar de a reforma ser minimalista, por o Concelho poder beneficiar de uma redução de 20% no número global das freguesias a agregar obrigatoriamente; em quarto lugar, pelo facto de as freguesias com menos de 150 habitantes, sujeitas, nos termos da Lei, a agregação forçada, satisfazerem o mínimo legal global de agregações se a estas se juntasse uma freguesia urbana, resultante da agregação das três existentes, o que, de resto, não aconselhava a alterar as proporções previstas no n.º 2 do art. 7, até em homenagem ao disposto na alínea f) do art. 2.; em quinto lugar, por a lei determinar, com efeito, a agregação, mas «com especial incidência nas áreas urbanas» (alínea f) do art. 2), apontando claramente para a preservação das freguesias rurais em detrimento das freguesias urbanas. Com efeito, a manter-se mais do que uma freguesia urbana, não se obteria o mínimo legal global de freguesias, devendo-se, por consequência, proceder à agregação de outras freguesias rurais, o que iria contrariar o espírito da lei, claramente plasmado no artigo acima referido; e, finalmente, por o número global de 12 freguesias (mínimo legal a obter, nos termos da lei, já com o bónus de 20% resultante da iniciativa assumida pela AMG) poder ser alcançado através da agregação das freguesias com menos de 150 habitantes e da agregação numa só freguesia urbana das três existentes. Ou seja, e ao contrário do que pode parecer, quem propôs a solução que viria a ser aprovada pela Assembleia fê-lo para salvar o que era salvável e, claro, na convicção de que, apesar das actuais dificuldades, ainda vivemos num Estado de Direito, onde a lei é respeitada. O que se sabia, ou julgava saber, era que se fôssemos nós a fazer a reorganização não só pouparíamos três freguesias rurais como evitaríamos que o processo de agregação fosse feito a régua e esquadro a partir da Assembleia da República, não garantindo uma autêntica audição das populações através dos seus representantes. É por isso que quero deixar aqui uma palavra de reconhecimento público aos membros da Comissão (Carlos Santos, Carlos Carvalheira, Nuno Almeida, João Correia, Paulo Bidarra, Jorge Noutel, António Fontes, António Neto, António Fernandes, José Rabaça, Jorge Libânio, Luís Figueiró) pelo excelente trabalho desenvolvido e pela capacidade de diálogo demonstrada na resolução das naturais diferenças de opinião sobre uma matéria tão sensível. Mas sobretudo quero homenagear os nossos autarcas envolvidos, particularmente os mais directamente atingidos, pela sua maturidade cívica e política e pelo seu apego aos valores democráticos e ao Estado de Direito. Bem os ouvi, ainda na Assembleia, dizerem o que pensavam da lei, mas também os vi sofrê-la, quando era o caso, com uma enorme dignidade. Escolho, por todos, o meu amigo Firmino Cairrão, que disse o que pensava sem rodeios. Sinceramente, precisávamos era de uma outra reforma bem mais profunda, mas aqueles que nos impuseram esta ainda não foram capazes de a fazer. Anda por aí, eu sei, uma proposta de lei, que ainda não estudei com atenção. Mas o que já vi não augura nada de bom.

Por: João de Almeida Santos

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